quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

SOBRE A GUERRA NA UCRÂNIA...(in Editorial do "Público")


EDITORIAL
As duas realidades da guerra ucraniana


DIRECÇÃO EDITORIAL

19/02/2015 - 06:31


Na Ucrânia, o mundo tem de parar de viver entre duas realidades: a do papel (falsa) e a do terreno (real).




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No conflito ucraniano, misto de guerra civil e braço-de-ferro entre potências, as palavras perdem o sentido. Já se falou em “teste final”, em “última oportunidade”, em “espiral dramática”, em “última batalha”, e na verdade a guerra que se trava no Leste da Ucrânia tem sido um pouco de tudo isto e ao mesmo tempo o seu contrário: os testes não foram finais, as oportunidades e as batalhas não foram as últimas. Só a espiral dramática parece manter-se, em ritmo desigual, sem que se lhe vislumbre qualquer solução. Dez dias depois de Merkel, Hollande, Putin e Poroshenko terem, em Minsk, chegado a acordo para novo cessar-fogo, não só este se mostrou fictício (e apenas válido no papel, tal como o de Setembro de 2014), como a ofensiva dos rebeldes pró-russos se mostrou eficaz em mais uma cidade, Debaltseve, conquistada às tropas de Kiev, cuja debandada foi pateticamente mascarada de vitória. “Os nossos soldados”, disse Poroshenko, “bravos defensores da nossa terra, deram um golpe nos dentes daqueles que tentaram cercá-los e retiraram-se de Debaltseve.” O problema é que, por muito cercados que estivessem, os soldados de Kiev tinham como destino serem mortos ou expulsos. Escolheram, prudentemente, a segunda via. A Alemanha reagiu com escândalo, o que é diplomaticamente aceitável, mas factualmente inútil, já que os arrufos dos aliados do regime de Kiev não lhe devolverão o Leste perdido (da Crimeia já ninguém fala, porque o que há para dizer não é diplomaticamente correcto) e Poroshenko arrisca-se a, caso não haja determinação suficiente para pôr um ponto final na reformulação das fronteiras da Ucrânia, ver esboroar-se lentamente um país que os tratados internacionais tinham por intocável. Ora isso só será possível se o mundo parar de viver entre duas realidades: a do papel (falsa) e a do terreno (real). Porque se estas não forem compatíveis, esta guerra será infindável. E as suas vítimas também.

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