"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
É PRECISO ESTAR COM A GRÉCIA CONTRA OS CORRUPTOS QUE DESGRAÇARAM , QUER A GRÉCIA, QUER PORTUGAL!
Esparta não se rendeu a Xerxes e não se renderá a Berlim.
7 de Fevereiro de 2015 às 0:40
(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 06-02-2015)
O leitor lembra-se da primeira viagem que François Hollande fez após tomar posse?
E qual foi a primeira viagem que Passos Coelho fez depois de tomar posse
(embora antes já tivesse feito algumas para o mesmo destino)? Pois, foram as
duas a Berlim para colocar a chanceler Angela Merkel a par dos seus planos. E
ainda se lembram do ex-ministro português das Finanças, Vítor Gaspar, a pedir
delicadamente ajuda ao seu homólogo alemão, Wolfgang Schauble, com este a
dizer-lhe displicentemente que depois de haver resultados se veria? Pois, os
gregos não fizeram nada disso e vieram lembrar-nos que a ordem natural das
coisas na Europa é outra.
O poder na União Europeia está hoje em Berlim. Melhor: está em Angela Merkel e
Wolfgang Schauble e, depois deles, em todas as suas correias de transmissão,
desde primeiros-ministros e governos submissos, a economistas, universitários,
analistas e comentadores, cada qual mais fundamentalista que o anterior. Ora o
primeiro-ministro e o ministro das Finanças gregos, Alexis Tsipras e Yanis
Varoufakis, fizeram algo tão simples como colocar no topo dos seus
interlocutores europeus o Parlamento, a Comissão e os Estados membros sem
discriminação. É algo tão natural que ninguém se devia surpreender. Mas como
nos últimos anos os líderes fracos que governam a Europa (e o presidente da
Comissão Europeia, Durão Barroso, que ocupou o cargo durante uma década) deixaram
que o eixo do poder se movesse para a Alemanha sem qualquer oposição, a decisão
grega surge quase como uma afronta à ordem estabelecida.
Mas não. A ordem que existia até agora é que não é normal. A Europa foi construída
como base na solidariedade e a igualdade entre os Estados membros e não como
uma organização em que manda um e todos os outros obedecem. E por isso todos
nós, europeus, temos de agradecer a Tsipras e a Varoufakis por estarem a
devolver aos europeus o orgulho de pertencerem ao clube mais solidário e
democrático do mundo.
Temos de lhes agradecer igualmente que nos estejam a mostrar que há mais que um
caminho para combater a crise e que não é possível continuar a insistir na
austeridade, com os péssimos resultados sociais, económicos e em matéria de
dívida externa que estão à vista de todos. Temos de lhes agradecer também que
recusem receber ordens de estruturas não sufragadas eleitoralmente, como o
Eurogrupo. E que recusem ainda mais ordens enviadas por e-mail.
Temos de lhes agradecer que se reúnam com ministros das Finanças dos países da zona
euro e não tenham receio em discordar publicamente deles no final dos
encontros. Temos de lhes agradecer que obriguem Wolfgang Schauble a dizer no
final do encontro que «concordámos em discordar». Temos de lhes agradecer que
não andem a negociar de mão estendida e de cerviz curvada. Temos de lhes
agradecer que nos lembrem o que é a dignidade de um povo e o seu direito a
escolher o seu destino e a ser respeitado por isso.
Temos de agradecer a Tsipras e a Varoufakis que estejam a levar a Europa a
interrogar-se. A interrogar-se sobre o que tem andado a fazer em matéria de
combate à crise. A interrogar-se sobre que sociedades está a criar nos países
periféricos. A interrogar-se sobre o modelo económico que lhes está a destinar.
A interrogar-se sobre se tem sido suficientemente solidária ou se tem sido
coerente na sua ajuda ou se não tem deixado a condução do processo demasiado
nas mãos do Fundo Monetário Internacional.
Não se sabe como este braço de ferro vai acabar. Os gregos são obviamente o elo
mais fraco e o Banco Central Europeu deu-lhes esta semana uma punhalada que
pode ser fatal. Mas desenganem-se aqueles que pensam que os gregos vão
ajoelhar. Em Termópilas eram 300 contra o maior exército do mundo. Tiveram
várias propostas para se renderem, desde que prestassem vassalagem a Xerxes,
rei da Pérsia. Não o fizeram. Preferiram morrer de pé a viver de joelhos. E só
foram vencidos pela traição. A Europa dos falcões pode derrotar os gregos. Mas
não sairá ilesa deste combate. É bom que todos os líderes europeus medíocres
pensem nisso antes de se unir para esmagar os espartanos de novo.
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