quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Artigo de José Vitor Malheiros, in "Público"




OPINIÃO
António Costa, o Benfica, o descaramento e que Deus nos guarde


JOSÉ VÍTOR MALHEIROS

17/02/2015 - 06:39


O que Costa diz é que é aceitável não pagar impostos se se for rico, porque o Estado será benevolente.




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Nos últimos anos, devido à crise financeira, económica, social e política (que o país não atravessa mas onde estagnou) e devido aos sacrifícios impostos aos portugueses pela austeridade do governo PSD-CDS, temos discutido muito a captura do aparelho de Estado por interesses particulares.

Temos falado do sequestro dos maiores partidos políticos pelos interesses financeiros mediados pelos grandes gabinetes de advogados que representam o verdadeiro Eixo da Governação, assim como dos privilégios de tratamento dado a diferentes organizações conforme a sua generosidade e a sua proximidade do poder - com Ricardo Salgado e o BES num lugar de destaque debaixo do baldaquim dourado dos favores públicos, ao lado dos destacados militantes do PSD que levaram o BPN à sua glória.

Com maior ou menor repugnância, habituámo-nos a ver os banqueiros, os advogados de negócios, os consultores fiscais e os construtores civis aconchegados ao seio generoso do Estado ao mesmo tempo que pregam os benefícios do empreendedorismo e a conveniência de passar para o seu bolso e o dos seus patrões os bens que ainda sobrem no erário público.

No entanto, temo-nos esquecido de uma importante categoria de privilegiados pelos favores do Estado que uma recente decisão do executivo camarário de António Costa em Lisboa veio trazer de novo à luz: os clubes de futebol.

Na semana passada, a Câmara de Lisboa aprovou (com os votos favoráveis do PS e os votos contra do PSD, CDS, PCP e de uma vereadora do movimento Cidadãos por Lisboa) a isenção do pagamento de taxas urbanísticas no valor de cerca de 1,8 milhões de euros relativas a obras a legalizar ou a realizar junto ao Estádio da Luz. De acordo com o pedido de “ampliação/regularização” do Estádio da Luz submetido pela empresa Benfica Estádio-Construção e Gestão de Estádios, S.A, 27.500 metros quadrados já foram construídos sem licença e o clube pretende “regularizar” a situação. E 10.700 metros quadrados são construção nova que o clube também agradece que sejam isentos de taxas. Diga-se que, na parte que se refere à regularização de obras já feitas, o único partido que votou contra foi o PCP tendo os restantes indignados votado a favor neste particular.

A decisão é uma vergonha e um escândalo que atropela os mais elementares critérios de equidade e de justiça e que não pode deixar de indignar profundamente todos os cidadãos que, com sacrifícios, cumprem as suas obrigações fiscais e que não vêem a sua rectidão premiada com perdões de multas e isenções de taxas. E, no actual contexto de austeridade e empobrecimento generalizado da população, a decisão é mais vergonhosa ainda. Não existe qualquer razão aceitável para oferecer 1,8 milhões de euros a um grande clube de futebol como o Benfica e há ainda menos justificação para premiar as violações já cometidas pelo clube.

A história é simples: a Câmara fechou os olhos porque se trata do Benfica. E as isenções foram concedidas porque se trata do Benfica. Estou a dizer que António Costa ou Manuel Salgado são benfiquistas? Não sei se são, nem tal coisa me interessa, nem é isso que está em causa. Os perdões e as isenções foram concedidas porque o Benfica é uma organização poderosa, influente, e a lei não é igual para todos. Há uma lei para um pequeno proprietário que faz uma obra ilegal e é obrigado a pagar multas e a demolir o que construiu e outra para uma grande empresa como o Benfica.

É esta a mensagem que António Costa e o seu vereador Manuel Salgado deixam clara com esta decisão. Que o presidente da Câmara de Lisboa seja actualmente também o secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro só torna o caso mais sério e mais sórdido.

Mais sério porque este acto revela uma atitude (de desrespeito pela equidade da lei) e um critério (de privilégio dos poderosos) que, a ser posto em prática num futuro Governo PS, não promete nada melhor do que o actual Governo.

Mais sórdido porque a única razão para um tal benefício do Benfica é a boa vontade que se pretende conquistar entre os adeptos do clube. Se não é uma tentativa de compra de eleitores, parece.

O problema não é o benefício do Benfica em relação aos outros clubes, que têm conquistado por seu lado isenções, perdões e benesses múltiplas -- de que o centro de treinos do Futebol Clube do Porto, por exemplo, construído com dinheiros públicos em Gaia, é um exemplo particularmente escandaloso. E não é um problema porque o Sporting e todos os outros se irão mexer para conseguir o que o Benfica agora conseguiu.

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