"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
sexta-feira, 8 de maio de 2009
“O FAROL…”
Por entre as ruas da cidade, caminho ao cair do sol, de uma noite de Julho. É noite de lua, redonda e fresca, que se reflecte ao cimo da água do mar, como de aquele luar escorresse, trémulo, sob a forma de mil fios de luz…Ilumina, naturalmente, os passos que dou, tal como os d’ outros caminhantes que aproveitam o fresquinho da noite aconchegante, para partilhar aquele ar saudável com os seus músculos e a sua espiritualidade. Para quem é um pensador, como eu, este é um momento único, pois o branco do dia desmaia perante o pôr-do-sol, que sucumbe à luz da lua, pujante, no momento em que se entranham, que se misturam…
No jardim, em frente à Câmara Municipal, um banquinho de pedra espera por mim. O horizonte avermelhado dá um ar de mistério, solene, ao meu quedar-me, ali. Crianças, acompanhadas de pais e avós, correm, saltam, gritam alegremente, inconscientes do mundo e das preocupações dos mais velhos.
Estou só, no meio desta gente toda! SÓ, porque quero, pois comigo passam férias os meus dois filhos e os meus três netos. Sinto que esta é a minha Hora… aquele momento do dia em que, em paz, me encontro com o que vi, vivi e convivi, ao longo do dia. Este entardecer multi color é uma dádiva do Criador, que nos mantém longe de acidentes dramáticos, como são as guerras, as lutas, as hecatombes naturais ou não.
E sinto que o pensamento cede à emoção, comovendo-me ao pensar que existo! Pensamento/razão e emoção compõem a metafísica do meu ser. É por isso que é impossível ser indiferente ao “barulhar” dos passarinhos já recolhidos nas árvores, a meu lado, piando de vez em quando, como que clamando pela minha atenção, para que sinta que não estou sozinha, de todo…
Levantei a cabeça, para ver o derredor…Dou de caras com a torre da Igreja local, iluminada, abundantemente, como nos dias de festa…Lembra-me um FAROL a indicar o caminho aos cépticos, aos não crentes, aos seres problemáticos que todos somos.
Um farol tem essa função: indicar o caminho, por meio de sinais luminosos e sonoros, aos pescadores, em noites difíceis da peregrinação que é a busca do pão do mar…Fascinou-me, aquela torre! E, como a Razão não se separa da existência, dei comigo a procurar aquele “farol”, dentro desta noite comigo. Levantei-me, peguei na carteira, no meu livro e no meu inseparável caderno de apontamentos e dirigi-me, pela rua principal, à procura daquele raio de luz.
KANT, filósofo alemão, diz:”O homem é a finalidade última do mundo, não como sujeito conhecedor ou como ser sensível, mas como ser moral.”Esta é uma afirmação de carácter subjectivo, como o são, aliás, todas as afirmações dos filósofos, às quais se opõem as de outros filósofos…Razão tinha Alberto Caeiro, o heterónimo de Pessoa que se recusava a pensar, “porque pensar dói, como andar à chuva…”É claro que, ao recusar-se a pensar, explicando as razões dessa atitude, ele que se auto proclamava anti-pensador, passa, imediatamente, a ser um pensador!
É claro que tudo isto vem a propósito do meu decidir-me a procurar o tal “farol”…Sendo, como sou, um ser emocional e pensante, estas duas características guiaram os meus passos àquele espaço sagrado; católica como sou, educada num colégio de freiras da Congregação de S. José de Cluny e, apesar de me ter desligado dos princípios que me foram incutidos nesse tempo, por força dos “trambolhões” da vida, não reneguei NUNCA a minha vontade de procurar um espaço destes.
Entrei. Pus os cotovelos sobre o banco e olhei para o altar, em frente. Não rezei! Não sou capaz de o fazer sob pressão, mesmo que seja eu a exercê-la sobre mim. Bastou-me estar “ali”… Senti naquela Igreja o meu farol, chamando-me a bom porto, onde ainda não aportei.
Concluo que encarno uma aspiração…Não me decido a saber qual é… sei que o “farol” estará “ali”, pronto a desviar-me dos “rochedos”, para que não deva naufragar… já bastam os d’outrora que, apesar de crentes, naufragaram à procura “do Oriente a oriente do oriente”, como dizia Álvaro de Campos, outro heterónimo de Pessoa, no poema “Opiário”.
De volta a casa, havia uma paz estranha em mim…
Mas, onde está o “farol “misterioso e omnipotente, que me pode conduzir ao “caminho”? Não quero sentir-me como “Alberto Soares”, narrador- personagem e alter-ego de Vergílio Ferreira no romance “Aparição”: perdido, desnorteado, místico e desvairado de insegurança.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Que saudades desses finais de dia, dessa paz. Lembrou-me agora que não tiro um dia só para mim há uma eternidade. Julgo ser esse o próximo passo. Esta mania de nos agarrarmos à azafama da vida como se fôssemos viver mil anos...
ResponderEliminarMuito bonito este seu conto. Acessível (detesto aqueles textos que temos que ler com o dicionário ao lado).
Um grande abraço, Maria. Agora vou procurar o tal "Opiário"...você aguçou-me o apetite.
E eu que estava para aqui a pensar que já chegava de poesia para hoje :-)