terça-feira, 5 de maio de 2009

“Canção do Mar”…


Sentada numa rocha, em pleno areal da praia do mesmo nome, obrigo-me, por força da beleza desta majestade azul e branca, a “cantar”, por dentro, como quem chora e ri, ao mesmo tempo.
Que estranho fascínio exercem, sobre nós, as puras águas do oceano imenso! Misterioso desígnio de um Senhor que as colocou, ali, na nossa frente, alinhadas, nuas, prontas a alindar os dias da nossa vida…
Deve ser triste não ter mar, não o ver e não poder “cantá-lo”, na glória do nosso viver! Vem-me ao pensamento o lindíssimo poema de Gamar,rrett “Barca bela”: “Pescador da barca bela/onde vais pescar com ela/que é tão bela, ó pescador!”
A meu lado, em cima da rocha, tenho um pequeno rádio, o meu telefone e um livro que ando a ler: “Sputnik, Meu Amor”, de HARUKI MURAKAMI. O cheiro a maresia desperta-me, de vez em quando, como que a clamar pela minha atenção; ponho os óculos, levanto a cabeça e olho-o de frente, corajosamente, pois foi assim que os meus antepassados abriram as suas águas, na busca de outras “canelas e pimentas”…
Mas não me desligo da vida nos tempos…ou de mim própria! E, em “flash-back”, numa atitude retrospectiva, penso-me, lembro-me, apanho pedaços do meu passado em forma de espuma e nuvens, neste presente luminoso batido por águas salgadas e raios de sol cintilantes, quentes, radiosos e aconchegantes. Dou comigo a recordar tempos idos, procurando saber quando perdi a infância, a juventude e outras magias, ainda louras, frescas de magnitude…
Felizmente, num certo sentido e na medida em que os trambolhões da vida também ajudam na recuperação do caminho, passei por muitos “CABOS DE TORMENTAS”, a caminho da minha terra da “BOA ESPERANÇA”…
Neste momento, dou-me conta de que o Verão começa a zumbir…Aquela aragem fresca que desalinha os cabelos, começa a dar sinal de que o Mar quer calma, quer distância da multidão que dele se aproveita e dele beneficia…É a hora em que NEPTUNO faz apelo ao recolher dos seus súbditos…e as águas, lentamente, começam a retrair-se com a força da maré baixa. Só a Natureza conhece os seus segredos, que os cientistas procuram explicar de modo razoável! A verdade é que as águas começam a retirar-se, fugindo-quem sabe? Talvez para a linha do horizonte…
E volta-me à ideia uma outra poesia, esta do período barroco (século XVII) que diz isto:”Esse baixel nas ondas derrotado/Foi nas ondas Narciso presumido…”…
Tal baixel, nós próprios no ardor da juventude, grandioso Narciso vaidoso da sua beleza dos verdes anos, caminhamos inexoravelmente para a derrota, para o encarquilhar da “madeira” de que somos feitos, para se estatelar, em cacos, num qualquer canto do Mundo.
Meu Deus! Como eu quero continuar a ser vaidosa! A ser o baixel que não se deixa derrotar contra qualquer “rochedo”!
Oiço Dulce Pontes a cantar…”Fui bailar/no meu batel/ além, no mar cruel…”
Foge-me o Mar, entra-me a canção…E realizo, no momento, a interiorização de toda a excitação musical das duas entidades, da Dulce e do Mar! Sinto, em mim a criança que fui e que ainda “trago” comigo, apesar da Mulher que sou, pronta a abrir novas janelas ao Mundo e a acreditar nos valores que , entretanto, apreendi. Só que, ao deixar a praia, levo comigo o “PATHOS”, o sofrimento dos momentos não musicais, dos mundos de lutas e horrores que não se espelham (felizmente!) no Mar mas sim nos noticiários, nos “ecrãs” das televisões, nos filmes das tragédias da Vida!
Escondo-me, então, numa concha que trouxe da praia, há muito tempo…ainda quando a infância não tinha “ossos duros de roer” e eu corria feliz pelas areias das praias e pelas vielas da minha aldeia…
“FUI BAILAR/NO MEU BATEL/ ALÉM, NO MAR CRUEL/ E O MAR CANTANDO DIZ…!”

7 comentários:

  1. Eu não vou escrever um poema nem prosa, vou pedir-lhe que leia esta parte assim:

    "Sentada numa rocha, em pleno areal da praia do mesmo nome, obrigo-me, por força da beleza desta majestade azul e branca, a “cantar”, por dentro, como quem chora e ri, ao mesmo tempo.
    Que estranho fascínio exercem, sobre nós, as puras águas do oceano imenso! Misterioso desígnio de um Senhor que as colocou, ali, na nossa frente, alinhadas, nuas, prontas a alindar os dias da nossa vida…
    Deve ser triste não ter mar, não o ver e não poder “cantá-lo”, na glória do nosso viver! Vem-me ao pensamento o lindíssimo poema de Gamar,rrett “Barca bela”: “Pescador da barca bela/onde vais pescar com ela/que é tão bela, ó pescador!”
    A meu lado, em cima da rocha, tenho um pequeno rádio, o meu telefone e um livro que ando a ler: “Sputnik, Meu Amor”, de HARUKI MURAKAMI. O cheiro a maresia desperta-me, de vez em quando, como que a clamar pela minha atenção; ponho os óculos, levanto a cabeça e olho-o de frente, corajosamente, pois foi assim que os meus antepassados abriram as suas águas, na busca de outras “canelas e pimentas”…
    Mas não me desligo da vida nos tempos…ou de mim própria! E, em “flash-back”, numa atitude retrospectiva, penso-me, lembro-me, apanho pedaços do meu passado em forma de espuma e nuvens, neste presente luminoso batido por águas salgadas e raios de sol cintilantes, quentes, radiosos e aconchegantes".


    Bastava isto, e eu teria ficado rendido como quem contempla o nascer do Sol, sem mais nada dizer.

    Gosto muito de a ler assim. Mais do que poesia, gosto de prosa. E de prosa assim. Simultaneamente poetica (passe a redundancia) e sentida em cada fibra.

    Obrigado por ser o que escreve.

    beijinho amigo

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  2. Ainda bem que gostou, Daniel!Fico feliz por partilhar estes meus "momentos" com os amigos...No entanto, adoro escrever Poesia também...Desde 2007 que dei por mim a "despejar", já em vários cadernos, o que irrompe de mim, em termos poéticos.
    Um beijo amigo e reconhecido de lusibero

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  3. Que texto mágico e belo...o mar, sempre o mar, no nosso imaginário, como nas nossas vidas. Dizia Sophia: "um dia, voltarei para buscar todos os instantes que não vivi junto do mar". Voltaremos?
    Na dúvida, saboreemos cada momento que vivemos, junto ao mar ou nem por isso (mas voltando sempre que a nossa vontade assim o dite...), e permitamo-nos saborear cada som, cada palavra...e sem nos escondermos numa concha, que a vida, em qualquer das suas fases, está aí para ser vivida.

    Obrigada pela partilha, obrigada pelo encantamento

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  4. Deve ser triste não ter mar, não o ver e não poder “cantá-lo”, na glória do nosso viver!

    Deve ser triste não termos liberdade para sermos autênticos

    Deve ser triste não podermos dizer o que sentimos

    É triste deixarmos passar as horas e os dias escondidos nas nossas conchas

    Nada é triste por aqui...e, por aqui vou mergulhando...

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  5. belíssimo texto.
    Obrigada pela visita.
    "Muitos delírios para você,
    "Volte sempre no meu mar de delírios""

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  6. /alguém que nos transe um beijo/
    /Que a química alucina/
    / põe direção/
    /// vence/
    /// molha.../
    "/Acende as artérias num tráfego intenso/"

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  7. Olá Maria que belo texto, conforme o ia lendo parece que estava a ver a cena.Obrigada por este bocadinho tão bom e calmo, tal como calmo é o mar.Beijinhos.

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