domingo, 3 de janeiro de 2016

rtigo de Opinião do Prof. Pacheco Pereira, in www. público.pt






OPINIÃO
Sobre a crise dos jornais (1)


JOSÉ PACHECO PEREIRA

02/01/2016 - 07:14


Os jornalistas têm um grande masoquismo, para não lhe chamar outra coisa, ao dar estatuto noticioso às “redes sociais”, sem a mediação e edição jornalística.




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Imprensa
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PÚBLICO
Comunicação social


Uma das vantagens de viver numa aldeia é ter uma visão muito clara de que comunicação social cá chega, porque chega, quem a lê e quem a não lê. Aqui e neste artigo, comunicação social são os jornais, deixo de lado a televisão (cujo consumo também pode ser percebido em público nos cafés) e a rádio, que é muito mais privada e quase só automobilística. Voltemos aos jornais, para pensar um pouco a crise que atravessam.

A primeira constatação é que há jornais que não participam nessa crise e, em grande parte, lhe escapam. Na minha aldeia só chega o Correio da Manhã, trazido para os cafés, e lido avidamente pelos mais velhos, chegando a haver uma fila de espera para a sua leitura. E basta observar para perceber que a parte que é lida com mais tempo e dedicação é a parte noticiosa, ficando os suplementos mais capitosos para uma segunda linha de leitura, em conjunto com a Nova Gente, e com um público mais feminino. Verdade seja que, numa suplementar afirmação do “não há alternativa”, não existe nenhum posto de venda de jornais a não ser a muitos quilómetros, pelo que não há mesmo alternativa a não ser com muita dedicação à palavra escrita nos jornais. Seria interessante durante algum tempo observar os hábitos de leitura colectiva, onde o jornal passa de mão em mão, assente no interesse de quem o vai buscar, para outra imprensa, como, por exemplo, o PÚBLICO ou o i. Um dia farei essa experiência para tirar cá umas teimas.

Por isso, e como se vê nas estatísticas de venda em banca, a mais genuína ainda hoje para aferir a crise da imprensa, nem todos os jornais estão em queda ou com vendas muito pequenas estagnadas. Em Portugal, voltamos ao mesmo, isso significa olhar para o Correio da Manhã, um jornal que sendo também um tablóide, está longe de ser apenas um tablóide. A atitude altaneira que muitas vezes se toma com o Correio da Manhã, muito comum entre os jornalistas que não são do Correio da Manhã, e de uma parte da esquerda e da direita snob que acha que é inglesa, esquece que no meio de muita coisa inominável que enche as paginas do jornal, há aquela rara coisa que é suposto ser o cerne do jornalismo, ou seja, notícias. Há aliás muitas vezes mais notícias no Correio da Manhã do que nos outros jornais todos, o que se passa é que estão tão misturadas em títulos populistas, muitas vezes igualando o que é relevante com o trivial puxado para o escândalo, em que o estilo sobrepõe-se ao conteúdo.

O que é que vende o jornal, o estilo, populista e escandaloso típico de um tablóide, ou o conteúdo noticioso que muitas vezes está soterrado na agressividade das campanhas ad hominem? A resposta mais fácil é responder que é o estilo, que é a “face” do jornal, e um bom exemplo disso é a campanha contra Sócrates. Mas é a resposta mais fácil, porque havendo uma clara campanha pessoal, ela suporta-se quase sempre em notícias sólidas e duras, que sobrevivem para além dos títulos e do tratamento gráfico tablóide. Sócrates não gosta nem os seus amigos, mas há muito de interesse público naquilo que são os factos sobre a vida económica de quem foi um muito poderoso primeiro-ministro e que vivia, digamos, por conta. Ah! dizem os críticos, mas assenta em fugas de informação! É verdade, mas a crítica às fugas de informação de um jornal para outro é muitas vezes mais inveja de não as ter, ou incapacidade ou coragem de as usar em termos jornalísticos.

O que o Correio da Manhã nos ensina, no meio da ganga toda, é que nos jornais é preciso ter uma cultura das notícias, uma cultura que, para além do contexto, do enquadramento, da análise, da opinião dos jornalistas, aponta para uma direcção e um trabalho profissional de procura de informação, sem o qual os jornais entram em crise.

A principal razão porque se lêem jornais é porque têm notícias, porque os seus jornalistas as procuram agressivamente e são capazes de passar dos “recados” semanais para a primeira página, do “cultivo das fontes”, do jornalismo de telefonema, da agenda igual para todos, do jornalismo de rebanho, da mistura crescente entre opinião e jornalismo, que normalmente é mais opinião do que jornalismo, para a procura de notícias, principalmente aquelas que os vários poderes não querem que sejam dadas e que são quase todas. É tanta a coisa que não sabemos, sobre o Novo Banco e o Banif, sobre a cornucópia de dinheiro que agora jorra sobre os clubes de futebol, sobre o que a troika exigiu ao governo Passos-Portas ou o que este sugeriu à troika para fazer, sobre quem é o dono da TAP, sobre como é que se passam as “negociações” em Bruxelas, quem manda, quem é mandado, sobre quem é “dono” dos jornais e televisões, sobre os poderes paralelos de grandes escritórios de advogados ou de consultoras financeiras, sobre qual é a actual situação dos aparelhos partidários no PSD e no PS, quem arranjou as assinaturas de Marcelo, ou se o Tribunal Constitucional verificou as assinaturas de todas as candidaturas que lhe foram apresentadas, algumas das quais parecem ter conseguido sem “aparelho” o milagre de obter 7500 assinaturas validadas, mil e uma coisas sobre as quais se sabe muito pouco ou em que circulam mentiras e falsidades que ninguém quer investigar. A sequela normal desta consideração é que cada vez mais o chamado “jornalismo de investigação” está no centro do jornalismo que ainda sobrevive em papel. Voltaremos aqui mais adiante.

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