domingo, 24 de janeiro de 2016

In www.publico.pt sobre a Abstenção, esse "cancro" da Democracia...



De tão sincera, a abstenção que anda pelas ruas chega a ser desconcertante


Maria João Lopes

24/01/2016 - 00:05


São jovens de 24, de 29 anos. De 41, 44. São novos e vivem afastados política. Nem fingem interessar-se, assumem um total alheamento. Não vão votar neste domingo. Porquê? O que leva alguém a não exercer o seu direito?





Ana Morgado, 41 anos
RICARDO CAMPOS






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Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Em 20 pessoas com quem nos cruzamos nas ruas de Lisboa, num dia de Janeiro e de sol, seis não vão votar nestas eleições presidenciais. Uma não sabia, 13 querem exercer o seu direito. Um, dois, três, quatro, cinco, seis. São seis e algumas são muito jovens. As razões têm tanta desilusão e afastamento da política e são ditas com tanta sinceridade que chegam a ser desconcertantes. Exemplos: “não tenho paciência para me levantar e votar”; “não percebo nada do que eles dizem”; “não ligo a isso”; “estou totalmente desacreditada”; “simplesmente não me consigo envolver”.

Um: Miguel Tavares, 41 anos, trabalha na construção civil, electricista. Está de folga e sentado a apanhar sol, na Praça da Figueira. À volta, há grupos de jovens a conversar. Taxistas encostados aos carros. Noutra fila, estão estacionados os tuk-tuk. Uma das condutoras diz-nos com convicção que vai votar. É um dia de semana, há gente a entrar e a sair dos autocarros. Faltam seis dias para as eleições. Uma jovem que está na paragem a ler O Retrato de Dorian Gray sorri quando lhe perguntamos: claro que vai votar.

Não é o caso de Miguel Tavares, o primeiro dos abstencionistas com quem nos cruzamos. “Não vou votar, porque não tenho paciência para me levantar e votar. Acho que é por estar desmotivado.” Não acredita que o voto faz a diferença? O cenário que resultou destas legislativas, por exemplo, não o surpreendeu? “O Governo mudou, os resultados vamos ver”, diz de forma sucinta.

Tem família, mulher e três filhos – 12, 15 e 17 anos. Preocupa-se com o futuro deles, mas isso não é suficiente para ir às urnas. “A minha mulher vai votar, pensa que, ao votar, as coisas mudam. Ela vota por mim e depois a gente vê se as coisas mudam ou não.” Já trabalhou na Holanda cinco anos, agora está em Portugal: “Gosto meu país, mas, quando trabalhamos cá, temos de ficar desiludidos. Os salários baixos, a alimentação cara…” Então e isso não são motivos para votar? “Não, não vou”, repete, novamente de forma sucinta.

Dois: Paulo Duarte, 44 anos, taxista. Contamos como o segundo abstencionista, porque nos diz que o mais provável é não ir à mesa de voto. Em toda a vida só o fez três vezes. Mas “depende do ânimo” com que se levantar. É casado, a mulher é cozinheira, tem seis filhas, a mais nova com 11 anos, a mais velha com 28. Não é fácil: “Então não há-de ser difícil? Mas há alguém com uma vida fácil agora?” Mesmo assim, não está com vontade de participar no acto eleitoral: “Não percebo nada do que eles dizem. Não falam para ninguém perceber. E o que dizem hoje não é amanhã. Só falam para ganhar votos.”

Três: Rita Martins, 24 anos, vendedora numa loja de roupa. Está no Rossio, à espera do namorado. Antes de nos cruzarmos com a jovem que tem o 12.º ano, passa um vendedor de cautelas. Rita Martins avisa logo que está com pouco tempo para falar. Resume: “Não vou votar, porque não ligo a isso. Fazer diferença, deve fazer, eu é que não tenho tempo, nem paciência. Nunca votei.” Mas é por estar desiludida? “Não é por desilusão, é porque não faço ideia, não percebo nada de nada, não percebo nada de política.” Não viu os debates televisivos entre os candidatos, não leu os jornais: “Não é uma coisa com que perca tempo.” O que a move? Trabalhar, sair com os amigos, namorar, enumera.

Política e amor
Quatro: Maria da Luz Timóteo, 88 anos, reformada. Está sentada num banco no Rossio, a bengala à frente. Acabou de comer castanhas assadas, diz que estavam muito boas e que está muito bem ali, ao sol. Votar? “Oh, já não estou para essas coisas, tenho 88 anos.” O caso desta antiga costureira, que começou a trabalhar aos 11, é, porém, diferente. Fala do PCP como o partido que adora, foi casada com um antigo militante que chegou a ser preso pela PIDE. Ficou viúva nova, há tanto tempo que já nem se lembra. O marido chamava-se César da Fraternidade, era 24 anos mais velho. Primo em segundo grau, padrinho, homem. “Aquele homem foi tudo na minha vida. Era muito amoroso, carinhoso.”

A política nunca lhe foi indiferente ao longo da vida, é só agora, diz. Agora é que já não está para sair e votar. Em casa, onde vive com o gato, vai vendo televisão, mas não sabe o nome do candidato apoiado pelos comunistas e no qual votaria, se fossem outros tempos. Só sabe o da direita: “Rebelo de Sousa.”

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