terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Sobre esse ENIGMA literário que dá pelo nome de Maria Gabriela Llansol



Gosto de ler Maria Gabriela Llansol. Gosto de tentar compreender os seus textos enigmáticos, difíceis. Não a compreendo, não a sei interpretar, mas continuo. Quando os estudiosos destas coisas derem por ELA, sei que terão encontrado um enigma superior ao de Pessoa.
Fui pesquisar na Net, como faço amiúde, nos momentos em que a quero SABER e encontrei este texto em www.revistazunai.com/ensaios, que não resisto a dar a conhecer aos leitores que, como eu, se interessem por este ENIGMA.


..."A escrita, como pensamento de escrita, vislumbra um lugar de futuro, um lugar onde o livro, como um projeto, projeta um sonho, um espaço porvir para uma comunidade imaginária, onde o EU fala sempre em conjunto com outras vozes autorais, já pronunciadas no ciclo dos tempos. Se Fernando Pessoa, Aossê, inventou, como projeto literário, uma multiplicidade de vozes onde a sua própria seria uma a mais dentre todas as outras, Llansol percebeu que:

Afinal, tem todo o livro na cabeça, observou Elvira.

Não, ele está no texto, escrito em folha A4. Eu vejo em folhas A4 como a Elvira vê em fotografias. Bach, por exemplo, via nas suas partituras dispersas.

E Aossê? Perguntou. Via nos planos dos livros futuros, respondi-lhe.
Eu vou vendo o que o texto quer dizer, alterando a ordem cronológica das folhas, por vezes, escritas com muitos anos de diferença, relacionando e desrelacionando extractos e fragmentos, tentando perceber os seus diversos tons de voz porque o texto não tem uma maneira única de se dizer,
está todo escrito, mas precisa de ser montado.

Mas Aossê nunca conseguiu montar os seus textos, observou Elvira.

Sim, tenho-me interrogado muito sobre isso. Aossê compreendeu que o texto tem várias vozes; aliás, se assim não fosse, não haveria vários futuros possíveis, mas creio que interpretou mal o silêncio do texto; na realidade, no momento da montagem, ele não se cala, pura e simplesmente torna-se inaudível;

no momento em que, ao que tudo indica, mais precisaríamos que uma única voz se fizesse ouvir, quando temos de lhe dar corpo, de tomar as nossas decisões de escreventes, ele silencia-se,

quer ser ouvido com rigor,
compreendido exactamente no seu pensar,
que seja eximiamente preenchida a distância que o separa dos humanos, que a montagem não deixe quaisquer dúvidas sobre a fulgurância do seu movimento,

e quer que seja o humano a fazê-lo
(porque) só este tem, momentaneamente, uma única voz,
o sexo de ler que se vai gerando no escrevente, um ou vários,
sem vergonha de virmos a ser o que não fomos,
e coloquei a minha mão sobre ela,
Elvira. (LLANSOL, 2000, pp. 265-266)."

De novo, este texto podia continuar aqui, assim, podia continuar perguntando:– Para onde vais, drama-poesia?

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