segunda-feira, 24 de agosto de 2015












OPINIÃO
Populismo, a nova moeda europeia


TERESA DE SOUSA

23/08/2015 - 08:55







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TÓPICOS

Governo
PS
Mário Soares
Eleições
António Costa
Coligação
Segurança Social
Partidos políticos
Eleições primárias
Passos Coelho
Mário Centeno


1. A pergunta é óbvia: por que razão o Partido Socialista não consegue distanciar-se de uma coligação que aplicou um brutal regime de austeridade a um país social e economicamente tão frágil? A resposta é complexa. Comecemos pelo Governo. Passos e Portas estabeleceram com um profissionalismo invejável a sua lista de medidas a anunciar ao longo da pré-campanha para anular os aspectos mais controversos das suas políticas. Alguns exemplos.

O Governo sabia perfeitamente que a lei do enriquecimento “injustificado” nunca passaria no Tribunal Constitucional. Não era esse o seu objectivo. Era apenas mostrar que estava ao lado daqueles que estavam dispostos a denunciar o vizinho do BMW. A lista de pedófilos aberta à consulta popular era outra medida do género e com os mesmos objectivos. A pedofilia alimenta tal repulsa que tudo se torna justificado. Mas também não passa o crivo do Estado de direito, o que é fácil de compreender racionalmente, mesmo que difícil emocionalmente. A terceira bandeira foi a alteração à lei do aborto. Não tenho grandes dúvidas de que Passos Coelho pensa mais ou menos o mesmo que eu sobre a matéria. Mas era preciso dar alguma coisa ao CDS. Sem mudar o acesso, acrescentou a humilhação, voltando a colocar um estigma. Não há palavras. A coligação destacou dois temas para a campanha: demografia e desigualdade. Mais uma vez, o CDS foi contemplado com iniciativas que visem famílias numerosas, com a devida vénia à Igreja. O que Portugal precisa é que uma taxa de natalidade das mais baixas do mundo suba um pouco mais, pelo menos até ao segundo filho. Isso consegue-se com empregos estáveis, que não há, apoios sociais inteligentes e outra mentalidade nas empresas. Havia um problema com a imigração? Pois bem, o Governo apresentou um novo programa, o VEM, do qual já ninguém fala, para mostrar a sua vontade de ajudar imigrantes empreendedores a voltar à pátria para empreender. O populismo do Governo foi bastante mais longe, no entanto. A habilidade com que colocou os jovens contra os velhos é quase arrepiante. Nenhuma sociedade civilizada pode viver assim. Resta referir que a sua mensagem central é fácil: o mais seguro é não arriscar uma mudança. Até às eleições, o PSD portar-se-á com total disciplina. Sempre foi assim. Mas não há partido mais célere a derrubar um líder que não lhes garanta o poder.

2. Na posição oposta está hoje o Partido Socialista. As “sensibilidades” sempre existiram e deram muito trabalho aos líderes, incluindo Mário Soares. António Costa (também) ganhou esmagadoramente a Seguro nas primárias porque era o passaporte seguro para a vitória. Ora, não é isso que está a acontecer. Costa resolveu seguir o caminho das propostas realistas e, por isso mesmo, complexas, que são sempre muito mais difíceis de fazer passar. Muita gente reconheceu que o líder socialista colocou o debate eleitoral num outro nível, correspondendo a uma exigência crescente de acabar com as falsas promessas que descredibilizavam os partidos políticos. A própria crise acentuou essa necessidade, na medida em que muita coisa depende de Bruxelas. O problema é que, feita a constatação, esse outro nível parece estar afastado do debate quotidiano, que continua prisioneiro das mensagens primárias ou dos pequenos e grandes faits divers. Costa teria sempre um caminho muito estreito para afirmar uma alternativa dentro dos compromissos europeus. Os mesmos que exigiam medidas quantificáveis, afastam com desdém as suas contas. Os mesmos que exigiam inovação passam ao lado das propostas “revolucionárias” que Mário Centeno trouxe para o programa. Há cinco anos, entrevistei-o sobre a reforma do mercado de trabalho numa série de entrevistas sobre o futuro do país. A entrevista teve imensa repercussão, sobretudo em sectores mais à direita, porque cortava com as meias reformas, com as ideias feitas e com os interesses instalados. Quem as quer discutir agora? A crítica feita a António Costa é a falta de uma ideia mobilizadora e credível ao mesmo tempo. Não está sozinho, é esse o maior problema do centro-esquerda europeu, se quiser evitar cair num discurso populista à Jeremy Corbyn, o candidato à liderança do Labour com ideias que foi buscar aos anos 80 e que já nessa altura impediam o partido de ganhar o poder. Acresce que o primarismo da mensagem da coligação não tem estados de alma. Ouvir Marco António Costa dizer que o PS quer acabar com a segurança social seria quase divertido, se não fosse tão grave. E ouvi-lo dizer isso depois de Pedro Passos Coelho ter feito o discurso que fez quando apresentou o programa da coligação, é ainda mais extraordinário.

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