OPINIÃO
Uma campanha tóxica
Estamos a um mês e meio das eleições legislativas e António Costa e o PS continuam a lutar em vão para sair do buraco defensivo onde a imparável máquina de comunicação e de contra comunicação do PSD e do CDS os confinou. Os socialistas e o seu líder não perceberam ainda que os seus adversários políticos estão há anos a aprender a usar as redes sociais para armadilhar as campanhas e desta vez estão a conseguir resultados demolidores. Nos casos dos cartazes ou na história dos empregos que serão criados por um eventual governo do PS, bastou o lançamento de rápidas medidas de contra-resposta baseadas em mensagens básicas e potencialmente polémicas para alastrarem pelo Facebook ou pelo Twitter para que os socialistas acabassem acossados por pedidos de desculpas ou em explicações destinadas a conter os danos.
No final do dia, já ninguém se lembrava das mensagens originais – o que sobrava era a espuma da sua demolição. Há mais de um mês que o PSD e o CDS estão a conseguir abater todas as iniciativas de campanha do PS ainda antes de levantarem voo.
Bem se sabe que muita da responsabilidade por este estado atarantado e reactivo dos socialistas se deve a um interminável rol de culpas próprias — o caso dos cartazes do desemprego é mais do que “aselhice”, é pura e simples incompetência que, essa sim, merece censura e valoração política. Mas há no geral a ideia de que o PS está a ser arrasado por uma campanha tóxica que dissolve todas as acções de campanha num eficaz batido com os temperos da demagogia, do primarismo argumentativo e da manipulação. O admirável mundo novo de comunicação que começou a ser ensaiado nas primárias do PSD em 2009 e que se qualificou em 2011 chega a estas eleições num formidável grau de aprimoramento.
Os “marqueteiros” brasileiros, que à custa de cortinas de fumo foram capazes de eleger uma presidente, Dilma Rousseff, sem que ela sequer se tivesse dado ao trabalho de apresentar um programa de governo andam por aí. Depois, na rectaguarda, nos gabinetes dos ministros, concentra-se uma tropa de reserva jovem, frenética, imersa dos pés à cabeça no mundo da net e imbuída de um messianismo que não olha a meios para erigir um país novo. Contra este saber, competência e mobilização, Edson Ataíde parece um aprendiz da idade da pedra e Vieira da Silva ou Ferro Rodrigues locomotivas do tempo do vapor. De pouco adianta fazer contas, gizar programas ou estudar propostas. Eles lá estão para as embrulhar numa fórmula devastadora que as reduzirá a uma anedota, mesmo que para lá chegar seja necessário mentir. Pela primeira vez, estas eleições arriscam-se a ser dominadas pelo império das redes sociais e só o PS e o seu líder (que só há semanas abriu uma conta no Twitter) parecem não ter percebido os impactes deste pouco admirável mundo novo.
Vejam-se os casos dos cartazes, em especial o que ostentava uma infeliz imagem entre o zen e o profético. A facilidade com que esse cartaz foi ridicularizado pode ser justificada pela sua lamentável falta de gosto, mas para que essa consciência se tivesse generalizado ao ponto de o PS se sentir na obrigação de o retirar foi essencial a colocação nas redes sociais de uma bateria de posts que, pelo seu teor, quase forçavam os utentes do Facebook a gozá-los, a ridicularizá-los e a partilhá-los. Veja-se ainda como o caso das simulações de Mário Centeno sobre os 207 mil empregos foram transformados numa promessa de Costa através da colagem a uma declaração na qual José Sócrates aparecia a prometer 150 mil empregos. Saber o que em rigor foi dito não passou de um vago detalhe da comunicação. À noite, as televisões deliciavam-se a comparar Costa a Sócrates.
Não precisamos de puxar muito pela cabeça para perceber que esta estratégia baseada no ardil tem tradições e experiência. Vale a pena recordar a reveladora entrevista de Fernando Moreira de Sá a Miguel Carvalho, daVisão, em 2013, no qual este especialista em comunicação explicava como um grupo de bloguers arrolado por Miguel Relvas se entreteve a “derreter” Manuela Ferreira quando foi líder do PSD, como as suas campanhas negras derrotaram Paulo Rangel nas eleições internas que se seguiram ou como trabalharam nos bastidores para levar Passos Coelho ao poder. A sua receita era bem simples e é impossível não a pressentir nestas semanas de arranque das legislativas. “Se deixarmos uma informação sobre o caso Freeport num perfil falso e se ele for sendo partilhado, daqui a pouco já estão pessoas reais a fazer daquilo uma coisa do outro mundo”, notava Fernando Moreira de Sá.
Antes do debate entre Passos e Paulo Rangel, dizia Sá, “já tínhamos tweetspreparados para complicar a vida do Rangel. Nos primeiros minutos começámos a tuitar como se não houvesse amanhã. Ao fim de cinco minutos riamos até às lágrimas! Até opinion makers repetiam o que nós dizíamos”. Convém notar que pelo menos 11 destes operacionais, entre eles o ex-ministro Álvaro Santos Pereira ou o influente deputado Carlos Abreu Amorim, acabaram por ver a sua acção premiada com belos cargos no Governo ou na Assembleia.
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