segunda-feira, 2 de novembro de 2009

PENSAMENTOS...REFLEXÕES...


“REENCONTO COM A MEMÓRIA….”

Pequenina, nove anos e pouco…
Chegava-se ali a ABRIL/MAIO e as crianças, em idade de fazer a 1ª comunhão, iam para a catequese, depois das aulas da tarde. A preparação para esta cerimónia fazia-se, ao longo do ano com a colaboração de catequistas e, mais tarde, com a responsabilidade do velho pároco SÃO MARCOS, nos últimos dois meses antes da cerimónia.
Íamos em alegres bandos, quais andorinhas saltitantes, para o adro da Igreja Paroquial, onde nos juntávamos em alegres brincadeiras, até à chegada do “Senhor Prior”; jogávamos à “macaca”, à “apanhadinha”, ao “berlinde”, saltávamos à corda e jogávamos ao pião com uma alegria descontraída, própria de crianças sem preocupações de viva…
Havia, então, no adro, bem ao centro do recinto, uma velha árvore, um freixo, se não me engano, um “monstro” de velhice, comprimento, largura e altura, onde nos perdíamos a jogar “às escondidas”nas suas raízes expostas, descomunais, acolhedoras como ventre de mãe que sabe amar...
Depois da comunhão, com o passar do tempo, perdíamo-nos uns dos outros… a vida levava-nos para outros horizontes: uns casavam, outros iam “estudar”, outros ainda continuavam pelas “terras”… Passam-se anos até que, certo dia, por motivos vários , lá nos voltamos a encontrar ,exibindo os nossos anos, as nossas saudades, as nossas curiosidades, também.
Há anos, fui a um casamento à “minha “ igreja. Saí do carro e bati com os olhos na velhíssima árvore!Vi que os anos degradaram o que ainda dela restava e senti as lágrimas aflorarem aos meus olhos…
Falei com ela… uma conversa muda, cheia de saudades e recordações: “ Querida árvore, da minha meninice! Lembras-te de quando aqui me sentava nos teus braços acolhedores, nessas raízes longas e largas, como corpo de avó gorda, rechonchuda, saudável e matreira, a estudar o catecismo para não levar com a canita, na cabeça? A doçura da tua sombra, vinda desse corpo monumental, aconchegava-nos nessas quentes tardes de quase verão, em que dávamos mais um passo na vida! Calada e cúmplice, assistias aos meus primeiros “namoricos”, com os rapazitos da escola masculina. Doce inocência essa, a dos primeiros rebates do corpo e dos sentimentos! Nessa altura eu nada sabia da vida, da ciência ou da cultura dos cultos em tua homenagem, nada sabia do “sangue seiva” que em ti corria, com a mesma força que corre no meu corpo e nos alimenta!
Vejo-te e cheiro-te, hoje, mulher feita, com os olhos e os sentidos despertos e peço-te perdão por ter abandonado - tão cedo- o afago dos teus braços, que nunca mais senti ter, na vida.
Recordo que voltaste a acolher-me nos dias quentes de Verão, em que foram baptizados os meus “pequenos”… Eles viram-te ….sem te verem, sem sentirem o que , hoje, de novo ,sinto, aqui…à tua sombra. Perdi-me de ti! A vida levou-me para outras “sombras” e hoje ao confrontar-me com a beleza desses braços, já flácidos e carcomidos, choro o não ter sabido viver-te e amar-te como uma verdadeira druida, uma celta dos tempos modernos no amor perene por esta Natureza, mãe eterna e pródiga, que lança aos ventos ais lancinantes perante o desprezo a que os homens a votam…
Como tudo é inglório e fugaz! Olha para mim! Reconheces aquela pequenita, ingénua e “atravessada”, que se escondia nos teus galhos? Como mudei, desde que deixei de te abraçar… Disseram-me, amiga, que vais ser sacrificada ao progresso e à modernidade, que tens que dar lugar a um estacionamento porque, felizmente (dizem eles!) estás tão podre que já não vale a pena manter-te…Com o cemitério a teu lado, vais, tu própria ser enterrada debaixo dos carros que, por aqui, pararão…
Eis-me aqui, perante a tua, sempre majestosa”pessoa”… Deixa-me pôr na cabeça, nestes cabelos prateados salteados de “madeixas”, uma grinalda feita com as tuas folhas de então…Deixa-me dançar, ainda e outra vez, como nas noitadas do arraial das festas de S. Pedro, no tempo em que até a poeira cheirava bem! Descubro, agora, que és reflexão, porque não deixaste de ser fascínio, inconformismo e apego matricial à liberdade!És instância do belo e eterno que em mim houve… és maresia oculta dos tempos da minha inocência!
Quando voltar, já cá não estarás, segundo me dizem. Não quero que te vás sem ouvir estas palavras, ditas de coração aberto, quente, cúmplice…Qualquer coisa, dentro de mim, sente-se preservada em ti e defendida das mil agressões do momento. Deixo a teus pés as raízes de vida, da vida que me deste e que serão as minhas promissoras ilhas de reserva de humanismo… Velha árvore que te apertas ao meu coração! MIGUEL TORGA dizia, num dos seus escritos, mais ou menos isto:”ANDEI SEMPRE, SEMPRE À RODA, E SEMPRE À RODA DE TI…”
NÃO O PERCEBI, ATÉ HOJE, ATÉ ESTE MOMENTO MÁGICO DE UM REENCONTRO COM A MEMÓRIA DE TI…





PENSAMENTOS

8 comentários:

  1. Minha Querida Amiga

    Tens razão. O teu blog é uma pérola neste mundo virtual e caso existissem dúvidas este post comprová-lo-ia.

    Vou estar mais atento, até porque é um balsamo por aqui me perder, minha linguista preferida...

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  2. Curvo-me, reverente, perante a grandeza deste texto.
    Deste falar mágico com a árvore, deste revisitar memórias e afectos.
    Lindo!
    BJS

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  3. Obrigada,LUÍS GALEGO, por não te teres aborrecido...TAMBÉM GOSTO DE "OUVIR" as tuas palavras...
    BEIJO DE LUSIBERO

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  4. CARLOS ALBUQUERQUE: TeNHO -SEMPRE!- que agradecer a generosidade dos amigos, para com os meus posts...SEI que escrevo textos "ABUNDANTES", que podem cansar de ler...Mas , por vezes, não resisto a dizer tudo o que sinto, naquele momento!
    Olha, CARLOS. partilho contigo a alegria imensa que me dará , penso que hoje e amanhã, o blog "2711" com link SAPO, ao dar um pouco de atenção ao "LUSIBERO".
    BEIJO DE MªELISA

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  5. Maria, sempre amiga
    Quanta riqueza de detalhes...
    Os reencontros...
    As brincadeiras perdidas...
    Árvores da nossa infância a esconder nossos segredos...
    Somente um olhar como o teu para descrever esta paisagem cheia de sentimentos.
    Beijinhos ~em teu coração, hoje carregado de tantas lembranças.

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  6. MALU´:és uma querida e sou feliz por ser tua amiga, mesmo com o oceano imenso entre nós!
    BEIJOS DE MªELISA

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  7. Podes dar-me o link exacto, e completo, do tal blog "2711"?
    BJS

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  8. Carlos,
    o link é:
    http://em2711.blogs.sapo.pt

    Obrigada pela atenção!

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