domingo, 19 de abril de 2009

Recordar Júlio Dinis (J.D) para aludir a Darwin…


“Nas origens remotas do Romantismo está o progresso económico, político e social da burguesia; no seu fecho estão as consequências da Grande Revolução Industrial que, depois de 1850, transforma completamente a vida na Europa, em menos de meio século”-in História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva/Óscar Lopes, página 707-“Porto Editora”, 11ª edição.

Escritor- médico do séc. XIX (1839/1871), Júlio Dinis foi um dos mais lídimos representantes do Romantismo, em Portugal. É justo, no entanto, dizer-se que, a par de Camilo, esteve na transição do movimento romântico para o Realismo. Por força da tuberculose que cedo o afectou, foi viver para Ovar durante um tempo, para apanhar os saudáveis ares do campo e do mar e, assim procurar viver mais do que a mãe e os irmãos, que já “tinham partido” com as garras de tal doença.
Foi no campo que tomou contacto com o povo simples, com as virtudes e defeitos que, diga-se em abono da verdade, motivaram o desenvolvimento dos temas constantes das suas obras mais conhecidas: “As pupilas do senhor Reitor”, “A morgadinha dos Canaviais”,”Uma Família Inglesa”…
Como fará Cesário Verde, mais tarde, J.D deliciou-se com as virtudes do campo, da vida calma, quase sem sobressaltos dos lavradores, dos campos cheirando a húmus, da singeleza de carácter desta gente sã, tão diferente dos citadinos, vergados à hipocrisia dos ditames da sua sociedade; associa, por conseguinte, a vida citadina à doença, ao inferno, à poluição doentia, ao mau carácter e ao mal-estar social e moral. A mulher é, na sua obra, uma personalidade dicotómica: às ilustres damas opõem-se as mulheres rurais, de bom e de mau-carácter, mas que, mesmo assim, levam sempre a melhor às fidalguitas.
No seu romantismo, é rico o modo como tratou a sociedade do seu tempo e como interligou as acções correspondentes, quer à vida campesina quer à vida rural, a vida do campo e a vida familiar, simples, com princípios naturalmente aceites e a vida das famílias fidalgas, com todos os seus estranhos rituais classistas.
Não é costume ver J:D enveredar por grandes divagações sobre questões políticas e/ou sociais; mas é fácil detectar a sua tomada de posição, por exemplo no que diz respeito a um ingénuo tipo de corrupção, em épocas eleitorais, nomeadamente na obra “A Morgadinha dos Canaviais”. Lembram-se do Comendador Manuel Berardo a prometer empregos a toda a gente, às vezes, o mesmo emprego a indi víduos diferentes?
É claro que, sendo médico, tratou temas científicos, ao relacionar as doenças dos seus clientes com os progressos que a medicina ia fazendo, não se coibindo, como é natural, de aconselhar tratamentos mais modernos.
Ora acontece que, no séc. XIX, começavam a sentir-se os ecos do trabalho dum cientista arrojado, mesmo peculiar, que das Ilhas Galápagos ao estudar a evolução das espécies, confundiu o mundo científico, religioso teológico, filosófico, social e sei lá que mais…
Estamos, agora, a comemorar os 200 anos do nascimento deste cientista; amado por uns, odiado por outros, na altura da publicação da sua “Teoria da Evolução das Espécies” muitos o tomaram por louco. Como dizia, embora por outras palavras, o nosso Almeida Garrett, “os cães ladram, mas a caravana passa” …
Portugal, como de costume, “chega lá” mesmo que um pouco mais tarde…País periférico, afastado durante séculos no isolamento das civilizações, sofremos sempre esse isolamento atávico.J.D, na obra “As Pupilas do Senhor Reitor” ofereceu-nos, de bandeja, uma imagem de como por cá era visto o trabalho darwinista…
Recordam-se, os leitores, daquele diálogo hilariante na tasca do João da Esquina, entre José das Dornas e esta personagem, a respeito das ideias modernas do DR.DANIEL sobre a teoria do homem poder descender do macaco? A coisa esteve mesmo feia…o que é certo é que a discussão é de uma comicidade rara e foi com episódios como este que J.D nos foi dando nota das transformações, sobretudo científicas e sociais, que se iam estendendo pelo mundo
No capítulo XI da edição da Livraria Figueirinhas, de 1978,a págs. 62 e seguintes, o trabalho de Darwin é visto, do seguinte modo: e então se eu lhe disser que ele (Daniel) provou também que um homem é a mesma coisa que um macaco? Macaco? Então vossemecê é macaco? (…) Todos sabem o que é um homem e o que é um macaco! Macaco? Irra!”E é um nunca mais acabar de rir!
Recomendo aos leitores, menos habituados a ler, uma passagem de olhos por esta singela obra do nosso ilustre romântico.
É na crítica aos caracteres que o rodeiam, que J.D nos prova estar a caminho do Realismo, usando a técnica da descrição de paisagens, interiores e exteriores, terras, casas e, sobretudo, análise de comportamento das personagens.Tê-las-ia aperfeiçoado e teria mudado de escola literária, não fosse a tuberculose que o levou tão cedo!
A sua linguagem, simples a harmoniosa, dispensando o dicionário, é um convite, mais que formal a uma viagem pelas suas obras.
O estilo recorda Garrett, principalmente no coloquialismo, no “tu cá/tu lá” com o leitor que, sendo uma entidade abstracta, é para ele, um amigo. Procura, por conseguinte, conversar com todos e com cada um de nós, prender-nos à acção e viver com ele os pequenos grandes dramas da vida: “Enquanto ele sobe as escadas, direi EU AO LEITOR o motivo do seu desassossego (Pág.277) …”
E, logo na última página desta edição:”O LEITOR concordará que fechemos por aqui a história…”
Vários espíritos, entendidos na matéria das Letras, consideram Júlio Dinis o primeiro romancista moderno da Literatura Portuguesa. Vai longe o tempo em que este autor fazia parte do programa de Português, exigindo, dos alunos do décimo primeiro ano, a leitura de “Uma família inglesa”. Para ele , o romance fazia-se para o povo; este liberalismo, do qual Almeida Garrett também nos dá provas em “Viagens na minha terra”, prega uma moral familiar, reforçada pela moralização da vida rural. Mas o mundo evolui…o melhor passa, quase sem se dar por isso, a pior…e os ideais já não são o que eram. E chegamos à conclusão de que a estrutura familiar do escritor, dado que não era casado, não tinha fundamentos “vividos”.
Eça de Queirós, numa singela frase, sintetizou um pouco da sua ingenuidade:” Júlio Dinis viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve.”

(Artigo publicado no "Jornal da Mealhada"-1 de ABRIL de 2009)

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