terça-feira, 4 de agosto de 2015

DO MÉXICO...


Quantas mais valas serão descobertas na busca pelos 43 estudantes desaparecidos?


RITA SIZA

03/08/2015 - 08:28


Na pista dos jovens mexicanos de Ayotzinapa foram encontradas 60 valas comuns onde estavam enterradas mais de uma centena de vítimas do narcotráfico. Familiares dos desaparecidos exigem justiça. “A magnitude da crise é simplesmente chocante”, diz a Amnistia Internacional.Todos os meses há manifestações a exigir justiça para os desaparecidos HECTOR GUERRERO/AFP




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Quase um ano depois do massacre de 26 de Setembro de 2014, em que 43 estudantes de magistério de Ayotzinapa, no Sul do México, perderam a vida, ainda não foi totalmente esclarecido o que realmente aconteceu depois de os jovens terem sido vistos pela última vez, na localidade de Iguala.

As buscas pelos restos mortais dos “normalistas”, como são conhecidos estes estudantes de escolas rurais, ainda não produziram quaisquer resultados – mas acabaram por levantar outras questões, depois de nas diligências terem sido descobertas 60 valas comuns clandestinas, onde estavam enterrados mais de 120 cadáveres. Já se sabe que nenhum dos corpos encontrados pertence aos estudantes desaparecidos. Quem são, então, estas pessoas? Quando, e como, morreram?

A tenebrosa descoberta de 60 valas comuns em diversos pontos do estado de Guerrero, onde decorreu a tragédia com os estudantes, foi confirmada no início da semana, pelas autoridades mexicanas, confrontadas com um pedido judicial para o acesso aos documentos oficiais da investigação do caso de Iguala, submetido pela agência Associated Press. A informação fornecida mostra que entre Outubro de 2014 e Maio de 2015, no decurso das buscas, foram localizadas dezenas de “fossas clandestinas” onde estavam enterrados 129 cadáveres, entretanto exumados.

Desses, 92 foram identificados como homens e 20 como mulheres, sendo que os restantes se encontravam num grau tão avançado de deterioração que foi impossível determinar o género. Os únicos 16 cadáveres já identificados foram assassinados, mas segundo as autoridades a sua morte não pode ser associada ao massacre de Iguala – ainda que, presumivelmente, tal como os “normalistas”, estes indivíduos tenham sido vítimas do narcotráfico. Os nomes destes 16 homens constavam na extensa lista de pessoas desaparecidas no México, que tem umas inimagináveis 25 mil entradas. Os restantes foram entretanto acrescentados à igualmente impensável lista de 15 mil corpos recolhidos pelas autoridades e que permanecem por identificar.

Se, por um lado, estes últimos desenvolvimentos contribuem para adensar o mistério sobre o destino dos estudantes desaparecidos em Iguala – que se sabe foram sequestrados e assassinados por elementos do cartel Guerreros Unidos, alegadamente por ordem do autarca local e da sua ambiciosa mulher, ligada ao narcotráfico –, por outro vêm expor a dimensão do fenómeno da violência naquele estado do Sul do México, o mais pobre do país, e onde a taxa de homicídio (de 26 por cada 100 mil habitantes) é quatro vezes superior à média nacional.

“A última revelação macabra vem apenas confirmar o que toda a gente já sabia: que a magnitude da crise dos desaparecimentos forçados no estado de Guerrero e no resto do México é simplesmente chocante”, reagiu a Amnistia Internacional, num comunicado assinado pela sua responsável para as Américas, Erika Guevara-Rosas. “Embora o caso dos 43 estudantes tenha atraído atenção internacional, a realidade é que existem milhares de famílias em Guerrero e no resto do México à procura de desaparecidos, sem que o Governo revele o mínimo interesse em ajudá-los”, observou ao The Guardiana professora da Universidade Autónoma de Guerrero, Claudia Rangel Lozano, especialista no fenómeno dos “desaparecimentos forçados” (definidos como aqueles que acontecem por acção ou com a cumplicidade das autoridades).

No que diz respeito ao caso dos “normalistas”, as diligências oficiais para os encontrar e para punir os responsáveis pela sua morte estiveram sempre envoltas em polémica, com a actuação da polícia e dos procuradores a merecer críticas dentro e fora do México.

Dez meses depois dos factos, a Comissão Nacional de Direitos Humanos foi a última instituição a pronunciar-se sobre as múltiplas “falhas e omissões no processo de esclarecimento do crime”, principalmente “a falta de realização de diligências ministeriais, federais ou locais, que seriam de extrema utilidade para uma apuração exaustiva e integral dos factos” – que nas palavras do responsável por aquele organismo governamental, Raúl González Pérez, correspondem ao “mais grave conjunto de violações dos direitos humanos de que há memória recente”.

Inquérito reaberto
As críticas não levaram, para já, a justiça mexicana a alterar a versão oficial para os acontecimentos de Setembro de 2014, tais como descritos quando o processo foi encerrado, em Janeiro deste ano. A Procuradoria deduziu acusações contra 110 indivíduos, mas desde então o processo está parado: ninguém foi julgado. Em meados de Julho, a nova Procuradora-geral, Arely Gomez Gonzalez, anunciou a reabertura do inquérito, para seguir “novas linhas de investigação” que antes não terão sido suficientemente exploradas, justificou, no final de uma reunião com os familiares das vítimas do massacre de Iguala.

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