
Chamou-lhe Fernando Pessoa, no poema “ANTÓNIO VIEIRA”, “IMPERADOR DA LÍNGUA PORTUGUESA!” Queremos melhor maneira de começar a falar deste vulto da Literatura Portuguesa? Impossível!
Enveredemos, por conseguinte, por este caminho, que não vamos nada mal…
P.e VIEIRA pertenceu ao segundo período clássico da nossa literatura, o período Barroco, (século XVII), e tornou-se conhecido pelos SERMÕES, pelas CARTAS, por ser o defensor declarado e corajoso da identidade dos Índios da região amazónica e pelo aprimoramento da LÍNGUA PORTUGUESA, que CAMÕES, no século anterior, já tinha “começado a tratar pelo seu nome”, digamos assim. O “Apóstolo dos índios”, como ficou conhecido, pela defesa das etnias amazónicas, exploradas pelos gananciosos colonos portugueses, principalmente, bateu-se, mesmo a despeito da Inquisição que lhe não dava descanso, pela manutenção da cultura e liberdade destes povos, que muitos brancos consideravam como animais de carga, no caminho da exploração para fins de enriquecimento pessoal. Chamemos as coisas pelo seu nome: explorados como escravos!
Padre da Companhia de Jesus, pregador de temperamento impressionável e impulsivo, teólogo de forte formação humanística, “apóstolo” de causas que ainda hoje temos como justíssimas, diplomata com um elevado sentido de patriotismo, político adepto das doutrinas mercantilistas que já estavam a fazer prosperar, nesse longínquo século XVII, potências como a Inglaterra e a Holanda… digamos que falou até a voz lhe doer!
Não isento de uma certa utopia, no que diz respeito à grandiosidade da PÁTRIA, caiu, estranhamente, nas profecias do “BANDARRA”, que preconizavam para PORTUGAL a integração num novo IMPÉRIO, o 5º IMPÉRIO (SOBRE ESTA TEMÁTICA, DEBRUÇAR-ME-EI QUANDO FALAR DE FERNANDO PESSOA).
Foi o P.e VIEIRA cultor de uma majestosa LÍNGUA PORTUGUESA, que só voltou a conhecer momentos de esplendor com ALMEIDA GARRETT, no século XIX. “TOCADA COM PINÇAS”, a nossa língua viu os verbos enriquecidos no lugar próprio, os adjectivos apropriados às situações, os pronomes usados como devem, ainda hoje, ser usados, as situações mais naturais ou mais escabrosas tratadas a propósito, a língua enriquecida com novas palavras advindas do período dos descobrimentos… enfim, tudo tratado pelo seu nome, em SERMÕES e CARTAS, que enriqueceram e modernizaram o estilo e a forma da língua pátria.
Célebre aquele pequenino texto sobre o valor do índio, pessoa-humana, como se verá, a seguir: ”Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe (…) e começa a formar um homem (…) ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca. Avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos, aqui desprega, ali arruga, acolá recama; e fica um homem perfeito, e talvez um santo, que se pode pôr no altar.”
Vocabulário apropriado, uno nas suas intenções, conciso, claro e ordenado de acordo com a ideia inicial: a de que o índio é uma pedra bruta, (como somos todos nós!) que, depois de “bem trabalhado” até pode vir a ser um santo!
Mas, para que isso pudesse acontecer, era necessário que os PREGADORES se esmerassem no vocabulário e na maneira mais sã de passar a MENSAGEM aos colonos embrutecidos, que os consideravam seres inferiores e às custas dos quais podiam enriquecer, explorando-os como escravos.
Viviam-se tempos perigosos por causa da Inquisição. Já desde o reinado de D. João III, da 1ª DINASTIA, era perigoso discordar ou, de qualquer modo, enfrentar, esta “Polícia religiosa “ dos tempos escuros da Idade Média, que se prolongou no tempo e no país. Falar contra os membros do CLERO, como fez GIL VICENTE, no século XVI, era um acto de honestidade e coerência de princípios que se podia pagar, muito caro, de preferência nas masmorras dos jesuítas. Se bem nos lembrarmos do célebre “SERMÃO DA SEXAGÉSIMA” e da temática do mesmo, que era abertamente contra os padres incultos e venais, fácil nos será compreender por que é que o P.e VIEIRA foi preso tantas vezes e andou fugido outras tantas, sem que este sermão, apesar de tudo, seja o mais elucidativo das ideias de VIEIRA, contra um certo clero, que pactuava com os grandes e os ricos.
BOILEAU, ensaísta francês, dizia: ”A ARTE TEM UMA FINALIDADE EDUCATIVA (…) A OBRA DE ARTE DEVE SER COMPREENSÍVEL, BASEADA NA VERDADE E NE RAZÃO. SÓ A VERDADE É BELA.”
Aplica-se que nem uma luva, esta frase ao que Vieira pensava ser, melhor, dever ser, a arte do púlpito. No SERMÃO de SANTO ANTÓNIO, pregado em 1654, em S. Luís do Maranhão, pouco antes de uma nova vinda a PORTUGAL, Vieira começou por uma frase dos Evangelhos, dirigida aos padres que não sabiam expor as suas ideias e que, por conseguinte, não “levavam” a MENSAGEM onde era necessária: ”Vós estis sal terrae”, (S.MATEUS,5)- “Vós(pregadores da palavra sagrada) sois o sal da terra”. A partir deste pensamento, desatou a “zurzir” contra os maus pregadores, incultos, vaidosos, por vezes com suja aparência, que não permitiam que “o sal” cumprisse a sua missão de impedir a corrupção dos alimentos …Era mais do que evidente o jogo de METÁFORAS, que resultou numa deliciosa ALEGORIA dos padres que não ajudavam a impedir a corrupção do alimento das almas, que era a palavra de DEUS. Deste sermão saíram as regras do discurso argumentativo, segundo VIEIRA. Um bom texto argumentativo deveria obedecer a uma divisão em quatro partes principais, a saber: EXÓRDIO, INVOCAÇÃO, CONFIRMAÇÃO e PERORAÇÃO.
Não errarei ao dizer que nunca, na nossa Língua, se tinha visto um PORTUGUÊS tão claro, tão natural, tão próprio e tão fluente como o de VIEIRA; de tal modo que, ainda hoje, esta matéria faz parte dos programas do ENSINO SECUNDÁRIO. Por tal motivo, devem estes alunos estar atentos às aulas de Português, pois este meu texto é uma achega, muito incompleta, uma vez que se dirige a outro tipo de leitores.
PADRE VIEIRA exerceu funções de exímio diplomata em cidades como ROMA, PARIS, RUÃO, HAIA, AMSTERDÃO e por todo o BRASIL. Tal como ele vivia para a dignificação dos índios e dos desprotegidos, assim deveriam viver outros missionários. É célebre uma ideia sua, a este respeito, quando afirma: “Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à CHINA, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam em pregar na Pátria… Ah, pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais “paço”; os de lá, com mais “passos” ! É de reparar que, nesta frase, Vieira joga com as palavras HOMÓFONAS paço (REAL) e passos (DE CAMINHAR) …
Lidos, os seus textos são um deslumbramento! Como seria de os classificar, se os tivéssemos podido ouvir?
E concluo, amigos, com o seguinte: conta-se que o filósofo ÉSQUINES, da antiguidade clássica, estava, certo dia a ler aos seus discípulos, um texto de DEMÓSTENES, seu adversário. No fim, estes aplaudiram, freneticamente. E em vez de os repreender, ÉSQUINES exclamou:
- QUE FARÍEIS, SE TIVÉSSEIS PODIDO OUVIR A PRÓPRIA “FERA”?”
BIBLIOGRAFIA:
HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, livro II, de ANTÓNIO JOSÉ BARREIROS, 5ª edição, DISTRIBUIDORA PAX, 1974 .