( Foto do Parque da Curia)
O grande Mahatma Gandhi, filósofo e pacifista indiano do século passado, dizia do ser humano:”A indolência é um estado maravilhoso, mas perturbante. Temos que fazer alguma coisa para sermos felizes.”
Talvez por isso e talvez, também, por uma questão de carácter, dei comigo, depois de me aposentar, a fazer pequenas viagens pelo território das minhas raízes, esta ímpar região bairradina, a procurar motivos de recordação de épocas passadas…nunca longínquas precisamente porque, sempre presentes. A “Bairrada”é, para além do mais que se possa dizer, uma página da História de Portugal, da antiga e da mais recente! É uma página de grandiosidade dum povo que sempre viveu da terra e do mar, da agricultura, pesca, turismo, artes, livros, monumentos, gastronomia, sublevações contra regimes…tudo me vem à cabeça no momento em que procuro motivos de sublimação da terra e das gentes.
Nostalgia é o nome abstracto através do qual, em todo o mundo, se pretende dar um significado ao estado de espírito que, nós, portugueses, tão bem conhecemos como SAUDADE. Isto para vos dizer, leitores, que o tempo passa de tal modo veloz como o espaço de um “ai”…quase não se dá por ele! Ainda “ontem”, menina de 14/15 anos, “vivia “o PARQUE da CURIA. Por lá passaram tantas das minhas ilusões, tantas alegrias e tantas tristezas também (por que não admiti-lo?)…Tudo fez parte da criação do meu ser, ora brincando com as minhas irmãs e as minhas companheiras de escola, ora namoriscando, naquela idade em que a Primavera de cada um de nós começa a florescer…Nem tudo na vida são alegrias…As rosas têm espinhos e a infância que deveria ser um espaço/tempo de alegria, não o é, para todos…
Não é esse, no entanto, o assunto das minhas lucubrações de hoje. O estar aposentada proporciona, a quem não sente a velhice, oportunidades únicas de ver a vida com outros olhos. Tenho-me dedicado, como dizia Garrett, no capítulo 49 de “Viagens na minha terra”, a procurar revisitar espaços onde não ia, há muitos anos:”De todas quantas viagens, porém, fizeram, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na minha terra.”
Ora, meus amigos, eu fui ao…PARQUE da CURIA! E não se riam… que é verdade!
Passaram anos, desde a última vez que lá tinha ido. Quando lá entrei, na passada semana, não encontrei o parque dos meus encantos! Vi um lago quase totalmente pantanoso, arvorezitas sem a pujança de outrora, desbastadas, carreiritos e atalhos cobertos de vegetação rasteira que reclamou o que era seu, cadeados por tudo quanto é lado, parecendo querer impedir-nos de testemunhar a degradação, meia dúzia de patitos dando, ao que já foi o maior lago natural de Portugal, um ar da vida que ele perdeu…e carpas, muitas carpas, enormes, com a barriga cheia de lodo e de algumas migalhas de pão, que lhes vão atirando para aquela água paúlica!
Nesse lago, montavam-se, nos anos 50/60, enormes palcos, que serviam à actuação de artistas da rádio, no auge da fama; lá se faziam festivais de folclore e de outras artes. Era o tempo da Simone de Oliveira, do António Calvário, da Madalena Iglésias, do Henrique Mendes, Artur Garcia…
Era ainda o tempo em que a volta a Portugal tinha uma etapa, que partia do Largo da Rotunda e em que o PALACE HOTEL organizava o, então famoso, “Baile das Rosas”, para o qual, como é lógico! só as elites eram convidadas. Parecendo que não, isso eram eventos que davam à Curia um ar fino e …um pouco de cultura e animação. Vi, de relance, na realidade e na imaginação, um pouco desse lago, de então…Nos mais recônditos cantinhos, hoje, o lago é, quase todo, um potencial pântano.
Na entrada do Parque, apesar de tudo, as árvores dão já um ar da sua graça, com aragens primaveris; as flores desabrocham, por todo o lado; os trabalhadores fazem a poda e limpam aquilo que ainda podemos visitar…Os patitos nadam e refugiam-se na “ilha”.
Resta-nos a recordação desanimada daquilo que a Curia já foi…Que pena!
Diz o filósofo SAVATER:” Viver com coragem inteligente na ausência de certezas absolutas.”
Ao ver o Parque da Curia, a única certeza absoluta é a do nosso envelhecimento com ele, com as memórias e os -ainda- sonhos!
Atrevo-me a falar para os meus conterrâneos: devemos preferir o melhor de tudo, para o rejuvenescimento do espaço ímpar que é o parque! Exige-o a consciência pública, exigem-no as memórias das nossas vidas, exige-o a ideia que se tem do paraíso na terra…A Natureza, nossa única casa, exige-o, também!
Responda quem puder, se puder, como puder…Mas respondam ao parque da Curia, verdadeiro património bairradino!
Lindo texto. De evocação, de memória, de perservação de património. Mas também de si.
ResponderEliminar"As rosas têm espinhos e a infância que deveria ser um espaço/tempo de alegria, não o é, para todos…"
E que grande verdade, a do Savater.
Nao a sabia aposentada. Saiba viver e recuperar toda a magia da vida, agora ainda com mais encanto, conhecimento mas também a humildade em partir do zero, como aqui e ali demosntra à medida que vai postando.
Aquele grande e amigo beijinho
Daniel Lobinho
Aposentei-me, sem ter idade, mas já com 38 anos de serviço. No primeiro ano desta ministra ,eu vi como iriam ser os seguintes...
ResponderEliminarContinuo a ser Professora ,cá em casa; sê-lo-ei para todo o sempre...Só tenho saudades das turmas de Humanidades que não voltarei a ter...
Dediquei o meu tempo à poesia e escrevo para vários jornais daqui da região, nomeadamente para o "Jornal de Mealhada".Estou bem mas acentuaram-se as dúvidas existenciais porque leio mais e penso mais, também!
Beijo de maria
As dúvidas existenciais não a podem assaltar. Sinifica que primazia a razão, esse império dogmático e avassalador, como refiro num dos meus textos. Não que o faça intencionalmente, mas porque aprimora o conhecimento; todavia, o conhecimento é uma ferramenta, um instrumento, um sinal indicativo, não uma coisa em si. Percebeo muitissimo bem que se sinta assolada por dúvidas existenciais, mas o seu viver já nao se devia compadecer disso, apesar do classico dilema entre a razao e coraçao.
ResponderEliminarbeijo
Muito bem Srª. Drª.
ResponderEliminarPara completar o quadro só faltou falar na excelência aí perto, uma das maiores maravilhas portuguesas: o Buçaco.
Quanto à Curia, como outros espaços naturais, espero que melhores dias os recompensem. Acreditemos na vontade política de alguns...
Dylan:o Buçaco fica para outro post...É um assunto completamente diferente da Curia. No Buçaco não há a Sociedade das Águas da Curia...
ResponderEliminarSe o Dylan é destes lados, sabe do que estou a falar...
Abraço de lusibero