quinta-feira, 4 de junho de 2009

Nostalgias


( Foto do Parque da Curia)

O grande Mahatma Gandhi, filósofo e pacifista indiano do século passado, dizia do ser humano:”A indolência é um estado maravilhoso, mas perturbante. Temos que fazer alguma coisa para sermos felizes.”
Talvez por isso e talvez, também, por uma questão de carácter, dei comigo, depois de me aposentar, a fazer pequenas viagens pelo território das minhas raízes, esta ímpar região bairradina, a procurar motivos de recordação de épocas passadas…nunca longínquas precisamente porque, sempre presentes. A “Bairrada”é, para além do mais que se possa dizer, uma página da História de Portugal, da antiga e da mais recente! É uma página de grandiosidade dum povo que sempre viveu da terra e do mar, da agricultura, pesca, turismo, artes, livros, monumentos, gastronomia, sublevações contra regimes…tudo me vem à cabeça no momento em que procuro motivos de sublimação da terra e das gentes.
Nostalgia é o nome abstracto através do qual, em todo o mundo, se pretende dar um significado ao estado de espírito que, nós, portugueses, tão bem conhecemos como SAUDADE. Isto para vos dizer, leitores, que o tempo passa de tal modo veloz como o espaço de um “ai”…quase não se dá por ele! Ainda “ontem”, menina de 14/15 anos, “vivia “o PARQUE da CURIA. Por lá passaram tantas das minhas ilusões, tantas alegrias e tantas tristezas também (por que não admiti-lo?)…Tudo fez parte da criação do meu ser, ora brincando com as minhas irmãs e as minhas companheiras de escola, ora namoriscando, naquela idade em que a Primavera de cada um de nós começa a florescer…Nem tudo na vida são alegrias…As rosas têm espinhos e a infância que deveria ser um espaço/tempo de alegria, não o é, para todos…
Não é esse, no entanto, o assunto das minhas lucubrações de hoje. O estar aposentada proporciona, a quem não sente a velhice, oportunidades únicas de ver a vida com outros olhos. Tenho-me dedicado, como dizia Garrett, no capítulo 49 de “Viagens na minha terra”, a procurar revisitar espaços onde não ia, há muitos anos:”De todas quantas viagens, porém, fizeram, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na minha terra.”
Ora, meus amigos, eu fui ao…PARQUE da CURIA! E não se riam… que é verdade!
Passaram anos, desde a última vez que lá tinha ido. Quando lá entrei, na passada semana, não encontrei o parque dos meus encantos! Vi um lago quase totalmente pantanoso, arvorezitas sem a pujança de outrora, desbastadas, carreiritos e atalhos cobertos de vegetação rasteira que reclamou o que era seu, cadeados por tudo quanto é lado, parecendo querer impedir-nos de testemunhar a degradação, meia dúzia de patitos dando, ao que já foi o maior lago natural de Portugal, um ar da vida que ele perdeu…e carpas, muitas carpas, enormes, com a barriga cheia de lodo e de algumas migalhas de pão, que lhes vão atirando para aquela água paúlica!
Nesse lago, montavam-se, nos anos 50/60, enormes palcos, que serviam à actuação de artistas da rádio, no auge da fama; lá se faziam festivais de folclore e de outras artes. Era o tempo da Simone de Oliveira, do António Calvário, da Madalena Iglésias, do Henrique Mendes, Artur Garcia…
Era ainda o tempo em que a volta a Portugal tinha uma etapa, que partia do Largo da Rotunda e em que o PALACE HOTEL organizava o, então famoso, “Baile das Rosas”, para o qual, como é lógico! só as elites eram convidadas. Parecendo que não, isso eram eventos que davam à Curia um ar fino e …um pouco de cultura e animação. Vi, de relance, na realidade e na imaginação, um pouco desse lago, de então…Nos mais recônditos cantinhos, hoje, o lago é, quase todo, um potencial pântano.
Na entrada do Parque, apesar de tudo, as árvores dão já um ar da sua graça, com aragens primaveris; as flores desabrocham, por todo o lado; os trabalhadores fazem a poda e limpam aquilo que ainda podemos visitar…Os patitos nadam e refugiam-se na “ilha”.
Resta-nos a recordação desanimada daquilo que a Curia já foi…Que pena!
Diz o filósofo SAVATER:” Viver com coragem inteligente na ausência de certezas absolutas.”
Ao ver o Parque da Curia, a única certeza absoluta é a do nosso envelhecimento com ele, com as memórias e os -ainda- sonhos!
Atrevo-me a falar para os meus conterrâneos: devemos preferir o melhor de tudo, para o rejuvenescimento do espaço ímpar que é o parque! Exige-o a consciência pública, exigem-no as memórias das nossas vidas, exige-o a ideia que se tem do paraíso na terra…A Natureza, nossa única casa, exige-o, também!
Responda quem puder, se puder, como puder…Mas respondam ao parque da Curia, verdadeiro património bairradino!

5 comentários:

  1. Lindo texto. De evocação, de memória, de perservação de património. Mas também de si.

    "As rosas têm espinhos e a infância que deveria ser um espaço/tempo de alegria, não o é, para todos…"

    E que grande verdade, a do Savater.

    Nao a sabia aposentada. Saiba viver e recuperar toda a magia da vida, agora ainda com mais encanto, conhecimento mas também a humildade em partir do zero, como aqui e ali demosntra à medida que vai postando.

    Aquele grande e amigo beijinho

    Daniel Lobinho

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  2. Aposentei-me, sem ter idade, mas já com 38 anos de serviço. No primeiro ano desta ministra ,eu vi como iriam ser os seguintes...
    Continuo a ser Professora ,cá em casa; sê-lo-ei para todo o sempre...Só tenho saudades das turmas de Humanidades que não voltarei a ter...
    Dediquei o meu tempo à poesia e escrevo para vários jornais daqui da região, nomeadamente para o "Jornal de Mealhada".Estou bem mas acentuaram-se as dúvidas existenciais porque leio mais e penso mais, também!
    Beijo de maria

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  3. As dúvidas existenciais não a podem assaltar. Sinifica que primazia a razão, esse império dogmático e avassalador, como refiro num dos meus textos. Não que o faça intencionalmente, mas porque aprimora o conhecimento; todavia, o conhecimento é uma ferramenta, um instrumento, um sinal indicativo, não uma coisa em si. Percebeo muitissimo bem que se sinta assolada por dúvidas existenciais, mas o seu viver já nao se devia compadecer disso, apesar do classico dilema entre a razao e coraçao.

    beijo

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  4. Muito bem Srª. Drª.
    Para completar o quadro só faltou falar na excelência aí perto, uma das maiores maravilhas portuguesas: o Buçaco.

    Quanto à Curia, como outros espaços naturais, espero que melhores dias os recompensem. Acreditemos na vontade política de alguns...

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  5. Dylan:o Buçaco fica para outro post...É um assunto completamente diferente da Curia. No Buçaco não há a Sociedade das Águas da Curia...
    Se o Dylan é destes lados, sabe do que estou a falar...
    Abraço de lusibero

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