22 de Abril de 2015, 01:00
Por
Ricardo Cabral
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Uma tragédia grega?
Jean-Claude Juncker disse ontem:
“We are prepared for all kinds of events but I am excluding at 100 percent this Grexit, or Greek exit,” Juncker said. “There will be no default.”
Palavras fortes. Apesar de ser o mesmo Jean Claude Juncker que diz: quando “a situação é séria é necessário mentir”. Quero confiar que diz a verdade e que acredita naquilo que diz. Os primeiros meses de Jean-Claude Juncker têm sido, em meu entender, incomparavelmente melhores do que os últimos (quase 10) anos de Durão Barroso.
Mas as suas palavras suscitam preocupação. Primeiro porque que a frase em que afasta, a “100%”, a hipótese de saída da Grécia, é, na prática, mutuamente exclusiva com a segunda frase em que afirma que não ocorrerá incumprimento. É quase como dizer que a Grécia não sai, mas que também não fica. Segundo, porque dão a entender que a crise se está a aproximar de um clímax. E terceiro, sabe-se, que muitas vezes as famosas últimas palavras (“famous last words”) de “VIPs” são, a negação desesperada do que está mesmo prestes a ocorrer.
O impasse entre o Conselho Europeu e o Governo da Grécia durou muito mais do que algum dia se julgou possível (já decorreram quase 3 meses desde a eleição do novo governo grego). Muito devido ao papel de Mario Draghi e do Conselho do BCE, que embora cortando o acesso da banca grega às operações regulares de cedência de liquidez do Eurosistema – o que muito agravou a situação –, permitiram o acesso continuado e de forma crescente à liquidez de assistência de emergência (“ELA”). Mas, o Conselho do BCE está preocupado com a exposição crescente e pretende impor restrições.
Por outro lado, parece que a estratégia (dos credores) que comanda as decisões do Conselho Europeu era a de deixar o governo grego ficar sem liquidez. Com um pouco de sorte, caía o governo grego — porque deixaria de ter fundos para pagar as contas — e era eleito um novo governo mais favorável às pretensões das instituições de governo da União Europeia.
Ora, a recente ajuda prometida pelo governo russo à Grécia, que resultou do encontro entre Tsipras e Putin, vem complicar as coisas. Porque, a confirmar-se, permite que a actual paz podre se prolongue por mais uns meses, o que coloca os credores europeus sobre pressão crescente de verem a sua exposição financeira face à Grécia aumentar (via empréstimos do Eurosistema).
Daí, em minha opinião, o aumento da percepção do risco nos mercados e as frases dramáticas de importantes decisores europeus como Jean-Claude Juncker. E, o Conselho Europeu poderá pretender forçar uma decisão no curto prazo.
O governo grego parece ter partido para estas negociações insuficientemente preparado. Não levava nem plano A, nem plano B. Yanis Varoufakis é um economista de valor reconhecido, convincente orador e um autor de colunas de opinião brilhantes, mas isso provavelmente ainda irrita mais os restantes membros do Eurogrupo.
Wolfgang Munchäu, numa coluna no Financial Times (19 do corrente) afirma que subscreve a tese de Varoufakis de que a “resposta à crise económica pelas autoridades europeias tem sido catastrófica”, mas que não compreende porque é que Varoufakis gasta tanto tempo a “pregar” aos que tendem a concordar com ele em conferências de prestígio e ambientes confortáveis. Wolfgang Münchau questiona-se porque é que Varoufakis não está a trabalhar (a tempo inteiro) nas negociações com os credores europeus e na preparação de dois planos B?
Wolfgang Münchau argumenta que é possível a Grécia entrar em incumprimento e permanecer na zona euro, mas que é uma operação complexa que requer preparação de tipo militar. Como co-autor de Um programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa, (ver, por exemplo, esta síntese do programa), considero que Münchau tem razão no que diz. A Grécia pode entrar em incumprimento e permanecer na zona euro mas tem de se preparar para isso, o que não parece estar a ocorrer.
A recente ida de Yanis Varoufakis a Washington — onde se encontrou com Barack Obama e, mais importante, a Nova York, onde se encontrou com “o especialista” a nível mundial em reestruturações de dívida, Lee Buchheit — vem tarde, mas mais vale tarde do que nunca.
A Grécia, ao contrário da percepção generalizada, está numa posição de força negocial: (i) porque tem razão: a dívida da Grécia é impagável e os seus credores recusam-se a aceitar esse facto; (ii) porque deve mesmo muito dinheiro e, do ponto de vista negocial, é melhor dever mesmo muito dinheiro do que dever apenas bastante dinheiro; (iii) porque pode, se quiser, passar de um país pobre para um país rico de um dia para outro (se entrar em incumprimento torna-se cerca de 400 mil milhões de euros mais rica da noite para o dia). Mas tem de se preparar meticulosamente para essa contingência, ou outra contingência de compromisso negociado o que, reconheça-se, é mais fácil dizer do que fazer …
Creio que é do interesse dos gregos, dos portugueses, dos povos europeus e do projecto de construção europeia, que o actual governo grego seja bem-sucedido nas negociações com o Conselho Europeu. E que consiga reduzir o valor presente da dívida da Grécia para valores muito mais baixos do que os actuais.
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