quarta-feira, 29 de abril de 2015

CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!




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Mariano Gago

24 Abril 2015 • Pacheco PereiraMariano Gago foi, muito à portuguesa, a vítima da nossa hipocrisia generalizada. O mesmo primeiro-ministro, cujo Governo tem vindo meticulosamente a extinguir, às vezes com sanha pública, a "obra" de Mariano Gago, veio elogiá-lo "apesar das divergências". Quais eram as divergências? O que Mariano Gago fez como ministro com Guterres e Sócrates.

Então está a elogiá-lo por que razão? Pelo seu trabalho científico como físico, que ele deve em absoluto desconhecer? Pela sua actividade política, na extrema-esquerda, no Clube da Esquerda Liberal de que fez parte, no PS? Duvido. Para o primeiro-ministro e os seus próceres, isso é a política "antiquada", o "velho paradigma" que ele e os seus jovens audazes querem acabar.

Mas é mesmo assim, dois em um: elogia-se Mariano Gago como ministro, ataca-se Mariano Gago como ministro. Da maneira que isto está, não há problema nenhum. Vale tudo.

Mariano Gago (2)
Conheço Mariano Gago desde os nossos anos de brasa. Até antes disso. Partilhamos ex aequo o primeiro prémio de ensaio dado pelo Diário de Lisboa, sob a égide do Juvenil e a patrocínio do Fósforo Ferrero. Era então apenas o "José Mariano" e estava nas vésperas de se lançar, como eu, na resistência estudantil, primeiro na versão leve, a do movimento associativo e depois na versão pesada, a da extrema-esquerda. Foi um dos mais importantes membros dos CCRML, junto com João Bernardo e autor de muitos dos seus documentos.

O meu grupo e o dele tiveram alguma episódica colaboração nalgumas escolas de Lisboa, mas eram territórios tão distintos como os Sete Reinos de A Guerra dos Tronos.Além disso, os CCRML (de onde vieram Acácio Barreiros e Jorge Coelho, por exemplo) não existiam no Porto, nem no Norte do País, pelo que felizmente nunca conhecemos aquela guerra sectária que caracterizava a extrema-esquerda, cá e em todo o mundo. Viemos mais tarde a encontrar-nos nessa peculiar experiência política que foi o Clube da Esquerda Liberal, onde esteve todo o mundo e ninguém. Lembro-me de que numa das raras votações feitas, exactamente sobre o nome que o Clube deveria ter, havia três propostas: Clube da Esquerda Liberal (nome que eu tinha inicialmente usado para designar a "coisa", e que acabou por vencer, já sem ser minha proposta mas do Espada e do Villaverde e outros), Clube Liberal (proposta minha) e Clube do Delfim (proposta do Mariano Gago). Teve um voto, o dele.



No PS e no Governo, Mariano Gago teve o percurso conhecido e reconhecido. Apoiei-o na Quadratura do Círculo várias vezes na sua acção em prol da ciência e pelo fim da velha dualidade das "duas culturas", que em Portugal para o público significava apenas uma, a das Humanidades. Uma ou outra vez critiquei-o e o Mariano Gago imediatamente me falava para discutir a crítica. Eu não me ficava e ele também não, mas algumas vezes chegava-se a um terreno comum.

Há uma coisa que quem não viveu os tempos de 68 não compreende – é que se fica marcado por esses anos, que como ele lembrava, iam seis anos para trás e seis anos para a frente, de 62 a 68 e de 68 a 74, para o bem e para o mal.

Referendar o acordo ortográfico
Acordo Ortográfico foi um enorme falhanço diplomático e político ao nível internacional. Não cumpriu nenhum dos objectivos a que se propunha, e, de Angola (que o abomina) ao Brasil (que não o aplica), ficou apenas em Portugal um resquício burocrático que muitos recusam, ninguém deseja e sobrevive apenas apoiado nos diktats do Estado. Estado esse que exorbita claramente nas suas funções visto que o Acordo Ortográfico ainda não é lei vigente e existe apenas imposto pela burocracia na qual se interlaçaram alguns interesses comerciais das editoras, que tendo sido também obrigadas a fazerem manuais com a nova ortografia, pretendem legitimamente ser ressarcidas dos seus prejuízos.

A ideia de fazer um referendo sobre o Acordo Ortográfico é boa. O modo como se escreve português não é propriedade de alguns linguistas, aliás em contradição com outros especialistas que contestam com veemência as soluções adoptadas. E se fosse propriedade dos criadores da língua, escritores, romancistas, poetas, também já de há muito que seria rejeitado. Lembro aliás aqui o combate de Vasco Graça Moura que fez tudo para se lhe opor e, mesmo como responsável de uma instituição, o CCB, impediu a sua aplicação, acto de coragem que se fosse repetido por muitos outros ainda mostraria com mais evidência que o Acordo é recusado pela maioria dos portugueses.

Vamos pois ao referendo, até porque a relação do Acordo com a nossa ideia da identidade de Portugal, por vida da ortografia da nossa língua, está entre as matérias que justificam o referendo. Votarei "não" com muito gosto e vontade de acabar com essa malfeitoria à comunidade dos portugueses e dos que falam português.

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