terça-feira, 28 de abril de 2015

De Thomas Piketty, economista francês, ontem, em Portugal!


ENTREVISTA
"A dívida de Portugal vai ser reestruturada. É tão simples quanto isso"


BÁRBARA REIS e SÉRGIO ANÍBAL

28/04/2015 - 00:24


Thomas Piketty é visto como o "economista da esquerda", mas repete que "há questões que estão para além da esquerda e da direita". Critica as "más instituições" e "más decisões" da Europa, que criou "uma crise a partir do nada".




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Há dois anos, Thomas Piketty saltou com o seu livro “O Capital no Século XXI” para linha da frente do debate económico mundial. À esquerda aplaudiu-se a forma como colocou o dedo na ferida da desigualdade. À direita colocou-se em causa a metodologia e as soluções, que incluíam aumentar fortemente os impostos sobre os mais ricos. Mesmo depois de sujeito a um dos escrutínios mais apertados alguma vez feito a um economista, Piketty continua a dizer que nada mudaria nas suas conclusões.

Esta segunda-feira esteve em Portugal. Participou numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian e encontrou-se com vários líderes políticos. Todos à esquerda, incluindo António Costa e Sampaio da Nóvoa. Ao PÚBLICO disse que aumentar os impostos sobre os mais ricos não é a prioridade para a Europa, defendeu que a preocupação deve ser o combate ao desemprego e caminhar para um imposto comum sobre as empresas. Em relação à Grécia e Portugal, diz que o caminho a seguir para resolver o problema da dívida é mais inflação e uma reestruturação.

Tornou-se uma estrela pop da noite para o dia, o seu livro O capital no século XXI vendeu mais de 1,5 milhões de exemplares. Em que é que a sua vida mudou?
A minha vida não mudou muito, sou apenas mais um académico, continuo a dar aulas em Paris, a escrever livros. O sucesso do meu livro mostra que há uma procura grande em muitos países para a democratização do conhecimento económico. Muitas pessoas em Portugal, França, Japão, Brasil, China, estão cansadas de ouvir que “isto é demasiado complicado” e que as questões da economia e das finanças devem estar nas mãos de um pequeno grupo de peritos que sabem o que se deve fazer. O que tento mostrar é que a história da riqueza, da desigualdade e da dívida pública não é apenas história económica, mas também história política, social, cultural. Há sempre alternativas. Quando se olha para a história da dívida pública, há muitos exemplos de dívidas públicas ainda mais elevadas do que as de hoje, de 200% do PIB, na Alemanha e França no século XX, no Reino Unido no século XIX. Houve sempre diferentes formas de lidar com isto. Não é verdade que não há alternativas. Não há soluções fáceis. Todas as soluções são difíceis.

A revista Time considerou-o uma das pessoas mais influentes do mundo, ao pé de Marine le Pen, Obama e o Papa. Sente que está a mudar o mundo?
Prefiro a comparação a Obama, e entre o Papa e Le Pen, o Papa! Isto é apenas um livro, sejamos modestos. A democratização do conhecimento económico pode contribuir para a democratização da economia e da sociedade, mas isto é apenas um livro.

Já viu algumas das suas ideias serem posta em prática por governos?
Somos todos parte do debate político. Quando estive no Chile, a Presidente Michelle Bachelet disse-me: “A reforma fiscal que estou a fazer é directamente inspirada no seu livro.” Não me parece. A Bachelet está a fazer uma boa reforma, mas provavelmente tê-la-ia feito com ou sem o meu livro. O livro não é: “Aqui está a solução!” O livro quer que cada um tire as suas conclusões. Temos de ter uma opinião mais informada.

Ainda agora, o líder trabalhista britânico, Ed Miliband, “substituiu Keynes por Piketty”. Teve um papel directo nesta mudança?
É preciso mais tempo para os livros terem esse tipo de efeito. Sou parte da conversa global. O que escrevo pode contribuir, mas estas discussões já existiam nestes países antes de o livro sair. O Reino Unido é um caso interessante: quando o anterior governo trabalhista introduziu um “imposto sobre mansões”, há cinco anos, os conservadores de Cameron, que estavam na oposição, começaram por dizer que era um erro. Mas quando foram para o poder introduziram um imposto ainda mais alto do que o dos trabalhistas. Há questões que estão para além da esquerda e da direita. Quando temos propriedades que valem milhões e pessoas "sentadas" em cima delas e, no outro lado da sociedade, jovens com níveis de desemprego altíssimo, é uma questão de bom comum dizer que vamos tentar reduzir os impostos dessas pessoas e aumentar os impostos dos grandes proprietários.

Reuniu com Miliband recentemente?
No ano passado.

Esta mudança recente nos trabalhistas nasceu aí?
Não me parece. Todos temos um pouco de influência. Esta é uma das coisas bonitas da democracia. Nunca sabemos quem teve que influência. E não estou à procura disso. Não se escreve um livro para um primeiro-ministro ou para líderes. Escrevemos livros para quem lê livros. Se os políticos lêem livros, óptimo. É bom para eles e é bom para nós. O mais importante é quando oiço pessoas dizerem-me que normalmente não lêem livros académicos, grandes, cheios de quadros e notas de rodapé, e que compreenderam tudo o que leram.

Educar os políticos…
Os políticos são escravos da opinião pública. Por isso o importante é contribuir para transformar a opinião pública dominante, mais do que convencer os políticos.

O seu livro foi muito lido e gerou um enorme debate nos EUA sobre desigualdade. Vêm aí novas presidenciais. Acredita que a América vai alguma vez mudar neste aspecto?
Nos EUA há uma grande preocupação com a crescente desigualdade. A América tem uma história mais complexa da desigualdade do que normalmente pensamos: os EUA inventaram formas muito progressivas de taxar riqueza no período entre as guerras mundiais. Entre 1930 e 1980 a taxa de imposto mais alta aplicada aos ricos foi em média de 82%. Isto não acabou com o capitalismo americano. Depois de Reagan isto mudou e os EUA deixaram de ser progressistas nesta matéria. Agora, estão numa fase talvez semelhante à fase entre as guerras e sentem que a desigualdade foi longe de mais. Cada país tem a sua história. Estas coisas podem mudar mais depressa do que pensamos. Todos concordamos que é justificável existir algum tipo de desigualdade. A questão é quando a desigualdade se torna excessiva. Os EUA podem estar a chegar a um momento de viragem.

Já se reuniu com a equipa de Hillary Clinton?
Sim, reuni-me com pessoas que trabalham com Hillary Clinton e também com Elizabeth Warren, outra possível candidata democrata às presidenciais. Uma das grandes questões em que ela está a trabalhar, e que poderá ser agarrada por Hillary, é a dívida dos estudantes: reestruturar as dívidas das propinas. Devemos reestruturar a dívida da Grécia ou de Portugal? E a das pessoas?

Em França, o Presidente Hollande aplicou a sua ideia da taxa sobre os ricos, mas a seguiu deixou-a cair. O que falhou, os políticos ou a política?
O governo, que não tinha um plano claro e coerente em termos de reforma fiscal. O problema é que durante a campanha Hollande foi muito vago sobre o que iria fazer em termos de impostos se ganhasse as eleições. Depois houve, enfim, muita improvisação. Nos primeiros dois anos no poder, aumentaram muito os impostos. Não tanto em relação a esse imposto dos 75% – porque isso afecta apenas uma pequena parte da população – mas o IVA, que antes diziam que nunca o fariam, e o imposto sobre o rendimento, que não tinham anunciado que iam fazer. O que aconteceu foi que os impostos aumentaram muito entre 2012 e 2013 e o resultado foi um crescimento muito baixo da economia. Começou com Sarkozy e continuou com Hollande. Ambos optaram por aumentos excessivos de receitas de impostos. Sabemos porquê: ambos queriam reduzir o défice muito depressa, seguindo as ideias de austeridade que dominaram a Europa em 2011/2012. A consequência foi matar o crescimento. Que em França e na zona euro foi perto de zero. E o que vimos é que quando temos crescimento baixo e desemprego alto não conseguimos reduzir o défice e a dívida pública. Hoje a situação na zona euro é muito má porque tomámos decisões erradas em 2011 e 2012. Se compararmos com os EUA, a diferença é muito clara: em 2010, os EUA e a Europa tinham a mesma taxa de desemprego, défice e dívida pública. Cinco anos depois, o desemprego desceu nos EUA e aumentou imenso na Europa. Porquê? Porque tentámos reduzir a dívida pública demasiado depressa. Claro que temos de reduzir a dívida, mas se o fizermos muito depressa, matamos o crescimento.

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