domingo, 22 de março de 2015


Se o dr. Portas fosse jornalista


(Nicolau Santos, Expresso, 21/03/2015)



1) Ai, se o dr. Portas ainda fosse jornalista e diretor de “O Independente”! Tenho a certeza que não defraudaria os seus leitores e seria impiedoso. Escreveria seguramente qualquer coisa como isto, embora obviamente de uma forma muito mais brilhante: “Se Paulo Núncio não sabia da lista de contribuintes VIP que os serviços sob a sua tutela elaboraram, deve demitir-se por incompetência; se sabia e o ocultou, deve demitir-se, porque mentiu.”


Escreveria o dr. Portas jornalista: se o dr. Núncio não sabia é incompetente e deve ser demitido; se sabia e ocultou, deve ser demitido, porque mentiu.

Com efeito, não se vê que o dr. António Brigas Afonso, escolhido há oito meses para diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, tenha decidido por sua conta e risco criar uma ‘lista’ ou ‘bolsa’ VIP de contribuintes que permite detetar, na hora, quem acede à situação fiscal desses contribuintes. Nem se vê que o dr. José Maria Pires, o subdiretor-geral da Justiça Tributária e Aduaneira, que entretanto também se demitiu, tenha sido o cérebro da operação, sem que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, nada soubesse — tanto mais que o dr. Núncio defendia que fosse o dr. José Maria Pires a ocupar o cargo de diretor-geral do Fisco, uma pretensão que o PSD travou, impondo o nome de António Brigas Afonso. Mas lá que o dr. Núncio negou, negou. Lá que o dr. Passos Coelho negou, negou. Lá que a dra. Maria Luís Albuquerque negou, negou. Mas quando numa formação na Direção de Finanças de Lisboa para 200 candidatos a inspetores tributários do fisco e de vários ministérios, o chefe dos serviços de auditoria, dr. Vítor Lourenço, se refere ao tema, fica muito difícil aceitar que o dr. Núncio nada sabia. O facto é que o dr. Núncio foi negando e continuou a negar, até a ministra das Finanças autorizar uma auditoria independente ao tema. Ao fazê-lo, Maria Luís Albuquerque passou obviamente a mensagem que não acreditava (ou pelo menos desconfiava) do que o dr. Núncio lhe terá dito sobre o tema. E quando a revista “Visão” revela o áudio das declarações de Vítor Lourenço, fica evidentíssimo que muita gente dentro da Autoridade Tributária tinha conhecimento do assunto. Logo, torna-se muitíssimo difícil aceitar que Paulo Núncio não soubesse de nada, mesmo que benignamente aceitemos que não foi ele que teve a ideia de a concretizar. Voltamos, portanto, ao dr. Portas jornalista: se o dr. Núncio não sabia é incompetente e deve ser demitido; se sabia e ocultou, deve ser demitido porque mentiu.



2) E que escreveria o dr. Portas jornalista sobre o facto de a Justiça manter em liberdade o dr. Ricardo Salgado e o dr. Morais Pires, depois de todas as revelações que têm sido feitas na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES e da auditoria forense da Deloitte? Tenho a certeza que, de forma brilhante, o dr. Portas jornalista escreveria qualquer coisa como esta: “Ricardo Salgado era o BES e o BES era Ricardo Salgado; Morais Pires era o braço-direito de Ricardo Salgado; o BES implodiu, penalizando centenas de milhares de clientes, muitos dos quais nunca recuperarão o que tinham investido no banco ou no grupo. E a Justiça não se preocupa com o risco de fuga e o risco de perturbação de recolha e de conservação de prova, ou sejam, de perturbação do inquérito? O dr. Salgado e o dr. Pires deveriam estar presos preventivamente. Mas a Justiça tem razões que a razão desconhece.”







O diabo adora boas intenções

Numa atitude muito louvável, o atual Governo decidiu acabar com as nomeações políticas na administração pública. Para isso criou a Cresap — Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, liderada por João Bilhim. Eis, contudo, que um excelente trabalho de investigação do “Público” chega à interessantíssima conclusão que, dos 339 processos submetidos a esta estrutura, há vários candidatos que já integraram por várias vezes a short list de três nomes que a Cresap tem de enviar ao Governo mas que nunca são escolhidos. O que têm em comum? Pois, o facto de serem militantes ou simpatizantes do Partido Socialista. Há um candidato que já chegou 11 vezes à reta final, outros quatro estiveram por dez vezes nessa situação e há 20 que assim ficaram por cinco vezes. Pela lei das probabilidades, nalgum dos concursos deviam ter ficado colocados. Mas, pelos vistos, o Governo opta sempre por quem lhe é politicamente próximo. Ou seja, as boas intenções que levaram à criação da Cresap estão a ser subvertidas — seguramente porque, como diz o ditado, de boas intenções está o inferno cheio. E o diabo adora.







O vinho de Hans

Hans e Carrie Jorgensen chegaram a Portugal em 1988. Plantaram uma vinha onde nunca ninguém plantou. Não seguiram os conselhos locais nem as regulamentações. Em vez de variedades brancas, pelas quais era conhecida a Vidigueira, plantaram castas tintas. Contra os regulamentos DOC, plantaram a casta Syrah. Em 1996 lançaram o primeiro vinho, que foi arrasado pelos críticos. Mas concorreram ao International Wine Challenge 1998, em Londres e ganharam as medalhas mais importantes. O primeiro Syrah obteve o ouro em Bruxelas. Cortes de Cima, Chaminé e Incógnito passaram a ser marcas reconhecidas. Agora, o Cortes de Cima 2013 foi considerado o melhor vinho branco do concurso mundial Vinalies Internationales: um vinho branco numa zona de tintos. Conclusões: inovar, não obedecer às regras e pensar fora da caixa é também um caminho para o sucesso. Pela burocracia, cinzentismo e aversão ao risco é que ninguém se diferencia.

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