ENTREVISTA
"Não vejo onde se pode ir buscar fundamento legal para uma lista VIP"
ANA HENRIQUES
30/03/2015 - 07:53
A informação respeitante a titulares de cargos políticos é mais apetecível, mas isso não significa que estas pessoas tenham de ser tratadas melhor, defende a nova presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.Maria José Costeira ENRIC VIVES-RUBIO
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Maria José Costeira venceu as eleições para a Associação Sindical de Juízes Portugueses há uma semana, onde já desempenhava funções de secretária-geral. É a primeira mulher a assumir este cargo. Vai bater-se pela subida dos salários da classe e entende que se o caso que envolve José Sócrates não tiver pernas para ir a julgamento isso não descredibiliza a justiça portuguesa. Quanto ao acesso dos pais aos nomes dos condenados por abuso de menores, acha que a proposta do Ministério da Justiça não passará no Tribunal Constitucional.
Como avalia a governação da ministra da Justiça?
Não dá ainda para fazer um balanço: o meio ano que falta para terminar o mandato é fundamental. A reforma mais emblemática, a reorganização do sistema judiciário, não acabou. O balanço só se poderá fazer quando, terminando o mandato, se perceber se a reforma ficou completa ou não.
Isso é possível em seis meses?
Tenho esperança que sim. Uma coisa é a reforma ser concluída, outra os tribunais estarem a funcionar em pleno no âmbito da reforma. Começámos mal: em Setembro passado as coisas não estavam preparadas para a reforma – quer a nível de instalações, quer por causa da falta de funcionários judiciais e do sistema informático, que crashou. Agora temos de pôr a reforma a funcionar.
O que falta?
Temos uma lei [da reforma] que está em oposição expressa com o estatuto dos magistrados judiciais, que tem de ser revisto. Precisamos de tratar do problema dos tribunais que estão a funcionar em condições péssimas e não têm sequer obras projectadas.
A ministra Paula Teixeira da Cruz alega não poder resolver através da reforma problemas velhos de décadas.
Não me parece que se possa responder dessa maneira. É verdade que há tribunais que estão péssimos há muitos anos, como o de Vila Franca de Xira, com contentores lá dentro. Mas ao agrupar tribunais esta reforma veio criar novos problemas. Em tribunais já de si insuficientes foram colocados ainda mais juízes, funcionários e magistrados do Ministério Público. Ora se já não cabiam os que lá estavam agora não há espaço para os novos. Isto é um problema novo, que começou a 1 de Setembro passado. Os 17 juízes que estão colocados em contentores em Loures não tinham antes este problema, porque não trabalhavam ali. E já se sabia que isto ia acontecer, porque não havia espaço para eles em Loures.
A não ser que se tivesse começado antes as obras no tribunal.
Loures é dos casos mais dramáticos precisamente porque não está planeada obra nenhuma. Não obstante eu ter ouvido notícias segundo as quais a adjudicação da obra estava à espera de visto do Tribunal de Contas desconhecemos em absoluto qual seja a solução. Os juízes não cabem no tribunal, ponto. Estão a funcionar em contentores, ponto.
Como vê o facto de esta reforma ter fechado edifícios em boas condições, transferindo tribunais que ali funcionavam para imóveis menos aptos?
Não se pode fazer uma correlação directa e dizer que se devia ter mantido abertos os que estão bons e fechado outros sem condições. Foram encerrados os tribunais que, segundo as contas do Ministério da Justiça, não tinham número suficiente de processos para se manterem abertos. Eventualmente terá havido tribunais que fecharam indevidamente. Não concordámos com os critérios de contagem de processos do Ministério da Justiça. Queremos apresentar em Setembro próximo um balanço do primeiro ano da reforma – para saber se os tribunais que fecharam deviam voltar a abrir, se o número de juízes é adequado ao número de entradas de processos…. E vamos também apontar soluções.
Irá apresentar esse levantamento antes ou depois das eleições?
Não me interessa quem vai estar no Governo em Setembro ou Outubro. Não temos estruturas politizadas na magistratura e é assim que deve ser. As políticas de justiça são demasiado importantes para serem encaradas de quatro em quatro anos de maneira diferente. Tem que haver um pacto de regime, porque não podem depender de um partido ou de uma maioria de quatro anos. Não queremos deitar tudo abaixo e fazer uma nova reforma ou voltar a pôr tudo como era – é impensável. Temos é que tornar este modelo perfeito, adaptando-o à realidade. O país não tem estrutura financeira para fazer reformas como esta ano sim, ano não.
Houve critérios economicistas na base deste mapa judiciário?
Não posso dizer que todo o mapa foi feito com base em critérios economicistas. Que houve esses critérios nalguns casos concretos houve – e desde logo é economicista fechar tribunais com menos de 200 processos/ano.
Há fale em denegação da justiça. Com o encerramento de tribunais está a ser negado o acesso à justiça aos cidadãos?
Se existem problemas de acesso à justiça têm de ser denunciados. Mas a lei prevê que os juízes se possam deslocar dos tribunais centrais às várias secções para fazer lá os julgamentos. Não me parece que se possa falar em denegação de justiça. Tornou-se mais difícil o acesso aos tribunais pelas pessoas, a quem temos de dar meios para irem até lá. Senão poderemos estar a ultrapassar a marca. Se estamos a falar de pessoas para quem o tribunal mais próximo ficou a 70 km e que não têm transportes públicos, aí temos um problema.
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