sexta-feira, 27 de março de 2015


Outros também derrubaram aviões quando o piloto foi à casa de banho


RICARDO GARCIA

26/03/2015 - 18:31


Desastre da Germanwings é uma cópia fiel do que aconteceu em 2013 com um voo das Linhas Aéreas de Moçambique.A caixa negra do voo 990 da Egyptair, quando foi recuperada do Atlântico WILLIAM PHILPOTT/REUTERS




1







TÓPICOS

Transportes
África
Egipto
Moçambique
Acidentes
11 de Setembro

MAIS
Dez minutos até cair sem nenhum alerta
Co-piloto aproveitou medidas anti-terrorismo e lançou o avião contra os Alpes
Cinco companhias mudam regras de acesso ao cockpit após acidente dos Alpes
Queda de Airbus em França faz 150 mortos


O voo seguia o seu curso normal, a 38.000 pés de altitude, quando um dos pilotos se levantou para ir à casa de banho. Doze minutos depois, o avião despedaçou-se no solo, depois de uma descida vertiginosa e inexplicável, matando todos os seus ocupantes. Nas gravações da caixa negra, ouve-se alguém a bater desesperadamente na porta do cockpit, que tinha sido trancada por dentro.


Não, este não é o voo 4U9525 da Germanwings. É o voo LAM470, das Linhas Aéreas de Moçambique, que caiu na Namíbia no dia 29 de Novembro de 2013.



O pouco que se sabe do acidente da Germanwings sugere que se trata de uma fotocópia do que aconteceu não só ao voo LAM470, como também noutro acidente em 1999, com um avião da EgyptAir.

No caso do voo das Linhas Aéreas de Moçambique, tudo indica que foi o comandante que fez mergulhar o avião numa descida fatal. A aeronave – um Embraer E190, um pouco menor do que um Airbus A320 – tinha saído de Maputo em direcção a Luanda. Cerca de uma hora e meia depois, o co-piloto saiu da cabina de comando para ir à casa de banho.

Logo a seguir, o comandante deu início a uma série de procedimentos que fariam o avião despenhar-se, segundo o relatório preliminar do acidente. O primeiro passo foi reduzir a indicação da altitude que deveria ser seguida pelo piloto automático – de 11.600 metros (38.000 pés) para apenas 180 metros (592 pés). Seria o suficiente para fazer o avião chocar contra o solo, já que sobrevoava uma zona que estava cerca de 600 metros acima do nível do mar.

Também os manetes de potência dos motores foram colocados em “idle” – em modo neutro –, e a indicação de velocidade foi alterada várias vezes, mantendo-a próxima do valor máximo operacional, acima do qual a estrutura do avião pode entrar em fadiga. Por fim os spoilers – os freios aerodinâmicos sobre as asas – foram abertos, numa aparente tentativa de abaixar ainda mais o nariz da aeronave.

O avião caiu no Parque Nacional de Bwabwata, na Namíbia. Morreram todos os 27 passageiros e seis tripulantes.

Uma história parecida é a do voo 990 da EgyptAir que caiu no Atlântico, dia 31 de Outubro de 1999, meia hora depois de partir de Nova Iorque rumo ao Cairo. O voo tinha duas tripulações que se revezariam na pilotagem. Quando o avião – um Boeing 767 – chegou à sua altitude de cruzeiro, um dos co-pilotos ofereceu-se para render o que estava aos comandos.

Oito minutos depois, o comandante levantou-se. “Com licença, Jimmy, vou rapidamente à casa de banho antes que fique concorrida, enquanto eles estão a comer, e volto já”, disse, segundo a transcrição da caixa preta, que consta do relatório do acidente.

O co-piloto então mergulhou o avião numa descida alucinante. “O que está a acontecer?”, gritou o comandante, ao regressar dois minutos depois. Mas já não conseguiu evitar a queda. Morreram 217 pessoas.

Além de uma ida à casa de banho, o que há de comum entre estes três acidentes é o facto de terem ocorrido durante a fase de cruzeiro do voo, que não exige tanto dos pilotos quanto na subida ou descida.

O efeito 11 de Setembro
Mas há algo que separa o voo da EgyptAir dos outros dois: os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos.

Depois do catastrófico sequestro dos quatro aviões usados nos ataques, a autoridade norte-americana para a aviação (FAA, na sigla em inglês) introduziu fortes medidas de segurança para impedir o acesso de estranhos à cabina de comando. As portas foram reforçadas e instalados fechos automáticos.

Num A320, segundo um manual da Airbus, a operação de destrancar as portas é comandada a partir do interior do cockpit. Há um procedimento de emergência para as abrir por fora, mas que pode ser anulado pelos pilotos durante cinco a 20 minutos. A porta torna-se virtualmente inviolável.



Se estes procedimentos estivessem em vigor antes de 2001, o comandante do voo 990 da EgyptAir provavelmente nem teria tido a possibilidade de regressar à cabina de comando, onde ainda tentou evitar a queda, mas sem sucesso.

O caso da Germanwings também traz à tona o misterioso desaparecimento do voo MH370, da Malaysia Airlines, a 8 de Março de 2014. O avião saiu de Kuala Lumpur com destino a Pequim, mas alterou radicalmente a rota, seguiu para Sul e desapareceu num ponto remoto do Índico, longe de tudo, com 239 pessoas a bordo. Uma das hipóteses é a de que tenha sido o próprio comandante a fazê-lo. Mas até hoje não se sabe o que aconteceu.

A Aviation Safety Network, que possui uma completa base de dados de acidentes aéreos desde 1919, identifica apenas oito que terão sido motivados intencionalmente por pilotos. Tudo leva a crer que o voo 4U9525 será o nono.

Sem comentários:

Enviar um comentário