terça-feira, 24 de março de 2015

Opinião de um leitor de Vergilio Ferreira sobre "Manhã Submersa", in pesquisa Net

Opinião de Leitura
Manhã Submersa

Autor: Ferreira, Vergílio

Leitor: Paulo Neves da Silva



Opinião«Manhã Submersa» é um romance um pouco triste e cruel que retrata a vida de um conjunto de seminaristas oriundos de famílias pobres ou remediadas que se encontram num beco sem saída, entre uma suposta perspectiva de vida boa mas cheia de limitações em contraste com uma suposta liberdade em más condições de vida. Seminarista à força, ou privilegiado eleito a partir de um capricho de pessoas ricas e austeras, António Borrralho sofre a obrigação de uma vocação que não sente, encurralado pela mãe que sonha com uma velhice mais confortável em virtude da prometedora carreira eclesiástica do filho, e uma tutora que o escraviza na religião mesmo em períodos de férias, benemérita que faz pagar bem alto o preço de ajudar uma família que vive na miséria.

Num mosteiro onde também a austeridade impera, por meio de regras e caprichos de padres que também têm as suas obsessões, aulas de latim apimentadas por lutas entre facções criadas pelos educadores, ambientes de isolamento mas simultaneamente de criação de um rebanho dócil de seminaristas a todo o preço, geram os mais variados tipos de angústias e sentimentos negativos, atenuados em parte por algumas amizades e também por rivalidades que distraem os rapazes do ambiente deprimente em que se encontram. As atitudes de revolta, algumas mais premeditadas, outras longamente alimentadas em silêncio e depois precipitadas, são uma constante do comportamento dos seminaristas ao longo dos vários anos que António Borralho aguenta a sua estada no seminário.

O estado emergente da adolescência, as tentações da carne a que tem que fugir a todo o custo, as provocações pérfidas e degradantes de várias pessoas entre os quais os seus antigos amigos e pessoas da família da sua tutora, indiciam um desprezo ao seu estado que o mina por fora como por dentro, que a pouco e pouco leva António a consolidar uma decisão de ruptura que o colocará de volta ao seu destino desgraçado mas liberto, preferindo a crueza da realidade á hipocrisia do meio homem sem vida. Entre as dúvidas dos amigos e as suas próprias, no descobrir da existência como homem e dos prazeres e armadilhas que a vida oferece, enleado numa teia de acontecimentos que não controla e onde se sente um joguete, a longa introspecção acaba por ser um jogo de hesitações onde só um acto repentino, irreflectido e irreversível, fruto do ódio, acaba por o colocar no caminho certo do seu destino.

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