Bernardo Mendonça
Jornalista
EXCLUSIVO ASSINANTES | 18 MAIO 2024
O caso do linchamento de um menino nepalês, de nove anos, por outros cinco colegas numa escola da Amadora, em Lisboa, com ofensas xenófobas e racistas, tornado conhecido na passada terça-feira pela Rádio Renascença, mas ocorrido há dois meses, deixou o país novamente em alerta para a intolerância e ódio, que chega também ao espaço escolar.
E deu-nos conta do medo e desproteção que as comunidades imigrantes sentem perante as nossas instituições. As graves agressões deixaram um impacto físico e psicológico na criança.
Os socos e pontapés foram servidos com frases de ódio como “vai para a tua terra”, “tu não és daqui”, “não queremos nada contigo” e outras ofensas não contadas por pudor. Mas ainda mais grave do que este episódio, é como o sistema reagiu.
ESCOLA DESVALORIZOU
A escola encolheu os ombros. Afinal de contas eram “apenas crianças”. E entre crianças não se mete a colher, já se sabe. Eles que se resolvam. Não se deve valorizar. São miúdos. Faz parte. A direção considerou ser um ato isolado. E não denunciou as agressões com motivações xenófobas. Um escola pode fazer isto, num país que preza os direitos das crianças e os direitos humanos? Não, não pode.
E, com isso, normalizaram um episódio de extrema violência física e verbal contra um rapaz. Nepalês. Se fosse um menino português a escola teria reagido de maneira diferente?
Em Portugal quantas crianças imigrantes, ou filhas de imigrantes, sofrerão ataques de ódio no recinto escolar desta natureza e gravidade com a conivência das direções, auxiliares e professores?
O ódio aprende-se também em casa e ganha espaço nas escolas quando não há tolerância zero para estes atos.
Neste caso, os pais não se sentiram apoiados e protegidos, optaram por não apresentar queixa, por medo, e acabaram por pedir transferência da escola para garantir a segurança do filho.
O MEDO DE FAZER QUEIXA
Depois desta tareia grupal, o menino ficou com um corpo de Cristo, inúmeros hematomas e feridas abertas, que “acabaram por ser tratadas pela mãe porque teve medo e quis evitar ir a um hospital ou centro de saúde.”, relatou a diretora executiva de uma instituição da igreja, o Centro Padre Alves Correia (CEPAC). Isto é tudo atroz e grave.
Este medo dos pais de fazerem queixa ou de recorrerem a um hospital ou centro de saúde português, antevendo não serem igualmente bem tratados e acolhidos nestes lugares, diz tudo sobre o tempo de intolerância que vivemos.
Entretanto, o Expresso apurou que a Procuradoria-Geral da República confirmou na passada quinta-feira a “receção de uma denúncia relacionada com a matéria."
Este episódio aconteceu semanas depois de ser noticiado que seis homens encapuzados, armados com bastões, facas e uma arma de fogo invadiram a casa onde vivem dez imigrantes argelinos e um venezuelano, para os espancar, destruir a residência e proferir insultos racistas e xenófobos. O Expresso apurou que dois irmãos sob suspeita de terem organizado estes ataques integram o núcleo nortenho do Grupo 1143, liderado pelo ativista neonazi Mário Machado.
O ÓDIO APRENDE-SE NA AR
Não dá para ignorar que estes atos são validados, e incentivados até, pelos recorrentes discursos xenófobos e racistas da extrema direita. Mas não só. Quando o deputado do Chega André Ventura, em plena Assembleia da República (AR), mandou a antiga deputada independente Joacine Katar Moreira voltar para a sua terra e insinuou agora que os turcos são um povo preguiçoso; quando o antigo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, associou imigrantes a insegurança;
quando a própria procuradora-geral da República, Lucília Gago, se mostrou preocupada com a entrada no país de jovens “desenraizados” e “indocumentados” - considerando que estes jovens “com elevada probabilidade poderão vir a denotar necessidades educativas manifestadas na prática de factos criminalmente relevantes” -;
quando Aguiar-Branco, presidente da AR, afirmou esta sexta-feira que sim, que se pode dizer no Parlamento que “uma determinada etnia é mais burra ou preguiçosa”, normalizando discursos racistas e xenófobos na casa da democracia, e os 50 da bancada do Chega aplaudiram de pé, eufóricos, um deles simulando rodar um laço de vaqueiro, qual o resultado deste ódio mascarado de liberdade de expressão? Está à vista.
Quando se somam vozes destas a associar imigrantes à insegurança, à preguiça, à falta de inteligência, e à ideia de andarem ‘à mama’ do Estado, começam a repetir-se estes discursos de ódio à boca cheia em casa, nos cafés, na rua, e chegam à escola.
Porque se aqueles políticos o dizem, então é verdade, poderão muitas pessoas pensar. É preciso dizer-se com todas as letras: Racismo é crime!
E Aguiar-Branco, enquanto segunda figura política do país, pode dizer o que disse no Parlamento? Não, não pode.
E os autores destes discursos preconceituosos, alarves e irresponsáveis, estão a ser cúmplices e moralmente culpados destas novas ondas de violência e crime contra imigrantes e pessoas racializadas. As palavras de ódio têm consequências e matam!
IMIGRANTES DÃO DINHEIRO À SEGURANÇA SOCIAL
É fácil desmontar a farsa. Todos os estudos recentes apontam que não há ligação nenhuma entre insegurança e imigração, que esse sentimento de insegurança caiu na última década no país, e que sem os imigrantes, alguns sectores económicos faliam.
Certo é que o crescimento da população estrangeira em território nacional tem permitido melhorar as contas da Segurança Social (SS). Dados recentes da SS mostram que, em 2022, as contribuições dos imigrantes para esta entidade bateram recordes e atingiram, pela primeira vez, €1861 milhões.
“Sem os imigrantes, alguns sectores económicos entrariam em colapso”, considerou a diretora do OM, Catarina Reis Oliveira, apesar de, segundo os dados, ser esta camada da população mais precária do que a nacional.
Ou seja, tratamos mal os imigrantes, pagamos mal aos imigrantes e, por cima disto, ainda há quem os maltrate, agrida e os mande para a sua terra.
JOVENS LGBTQIA+ VÍTIMAS DE BULLYING
De volta à escola - esse lugar que pretende educar, formar cidadãos responsáveis e ser seguro para as crianças e jovens:
Foi divulgado no final desta semana, que quase 75% dos portugueses inquiridos num estudo europeu sofreram bullying ou foram humilhados na escola por serem da comunidade LGBTQIA+. A escola pode continuar a ser um espaço de insegurança para estas comunidades, sem que nada se faça? Não, não pode.
Mas é o que revela o relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), que responde perante a União Europeia, e que é divulgado a propósito do Dia Internacional contra a Homofobia, Trans e Bifobia, que se assinalou na passada sexta-feira, dia 17 de maio.
O número de pessoas que afirmaram ter sido vítimas de violência aumentou para 14%, um pouco mais do que em 2019, com as pessoas transgénero a serem particularmente visadas. E o assédio afeta agora mais de metade dos inquiridos, em comparação com 37% anteriormente.
MAIS ÓDIO DO QUE A MÉDIA EUROPEIA
A situação é particularmente má na escola. Em Portugal, 74% das pessoas afirmaram ter sofrido bullying no recinto escolar, ter sido ridicularizadas, gozadas, insultadas ou ameaçadas pelo facto de fazerem parte da comunidade LGBTIQ (Lésbicas, Gay, Bissexuais, Trans, Intersexo e Queer), um valor que está nos 67% na média da Europa a 27.
Ou seja, estamos no topo dos países com mais bullying contra jovens da comunidade LGBTQIA+. Mais uma vez o ódio - em especial a transfobia - a aprender-se em casa, nos discursos de certos políticos e no que dizem os desconhecedores de bancada. Desculpem, quis dizer comentadores de bancada.
Esses que escrevem e falam às três pancadas sem estarem por dentro dos assuntos e que fazem campanha contra a dita “ideologia de género”; e outras coisas do género... O resultado, mais uma vez, está à vista.
E, sobre isto, há mais números preocupantes: 34% destas crianças e jovens afirma esconder a sua identidade na escola e 60% respondeu que estes temas nunca foram falados no espaço escolar. Pior: 14% afirmou mesmo ter pensado em suicídio no ano antes do inquérito e 17% ter-se sentido discriminado no acesso aos serviços de saúde.
E quase metade dos jovens que responderam ao inquérito (44%) disseram que evitam andar de mãos dadas com o parceiro do mesmo sexo e há 23% que admite evitar certos locais por receio de agressões. É o país dos brandos costumes. Ou talvez não.
(IN)TOLERÂNCIA ZERO?
Esta sexta, o Presidente pediu “tolerância zero” à discriminação no Dia Internacional contra a Homofobia. Do lado do Governo, Luís Montenegro assumiu o compromisso de defender um país mais justo em que ninguém será discriminado pela orientação sexual. Palavras leva-as o vento.
Importa lembrar que Marcelo Rebelo de Sousa tem vetado os decretos do parlamento sobre escolha de nome próprio neutro e as medidas a adotar pelas escolas para a implementação da lei que estabelece a autodeterminação da identidade e expressão de género. Pode o Presidente esperar tolerância zero à discriminação quando com os seus vetos tem desapoiado a comunidade jovem trans? Não, não pode.
O partido de Montenegro tem seguido a mesma linha conservadora. Pode o governo ignorar estes novos resultados que dão conta da tamanha violência e discriminação nas escolas portuguesas contra os jovens da comunidade LGBTQIA+? Não, não pode.
CONVERSEI EM PODCAST COM…PEDRO PENIM
Bastidores da conversa com Pedro Penim no podcast "A Beleza das Pequenas Coisas"
Diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Penim acaba de repor o espetáculo “Casa Portuguesa”, no Maria Matos, em Lisboa, até dia 7 de Julho. (Vão ver se puderem!) Uma peça escrita e encenada por si após as duras críticas por se afirmar gay.
Sobre a discussão das reparações levantada pelo Presidente, afirma: “É um assunto importante e espinhoso, porque estamos a falar de massacres cometidos em nome do nosso país e dos quais continuamos a beneficiar. A riqueza deste país fez-se dessa exploração e matança.” Ouçam aqui a primeira parte desta conversa em podcast.
BELEZAS, se quiserem dar-me o vosso feedback, deixar comentários, convites, sugestões culturais, lançamentos, ideias e temas para tratar enviem-me um email para oemaildobernardomendonca@gmail.com
E aqui deixo a minha página de Instagram:@bernardo_mendonca para seguirem o que ando a fazer.
É tudo por agora. Temos encontro marcado aqui no próximo sábado. Bom fim de semana, boas escutas e boas leituras!
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