domingo, 23 de novembro de 2014

Consequências do embargo à Rússia


Embargo russo gerou queda drástica dos preços agrícolas em Portugal


ANA RUTE SILVA

23/11/2014 - 07:59


Com o mercado inundado de pêras, maçãs ou cenouras, os preços estão a cair desde que, em Agosto, foi anunciada a proibição de venda para a Rússia. No caso da pêra-rocha, as reduções ultrapassam os 40% e os produtores nacionais fazem contas à vida.Produtores de pera rocha vivem situação dramática PAULO RICCA/ARQUIVO




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No dia 8 de Agosto, Domingos dos Santos começou logo a receber telefonemas dos clientes. A actual campanha da pêra rocha tinha tudo para dar certo. A fruta tem bom tamanho e as perspectivas estavam em alta depois de dois anos pouco favoráveis, com a pêra a crescer pequena nas árvores e a render menos aos agricultores. Mas o embargo russo, anunciado a 7 de Agosto, deitou por terra todas as contas.

“Os nossos clientes começaram-nos a contactar logo no dia seguinte a dizer que os preços estavam a sofrer uma pressão muito grande de produtores de outros países, como a Holanda, França, ou Espanha. O problema é geral: se há excesso de oferta o consumidor vai optar sempre pelo produto mais barato, deixando de comprar os outros”, afirma.

Na Frutoeste, organização de produtores de pêra rocha, limões e maçã, a exportação pesa 70% do negócio (sobretudo pêra), mas o impacto do embargo russo está a ter consequência indirectas, que vão muito além do fim das vendas para aquele mercado. A Rússia é o segundo maior comprador de produtos agrícolas da União Europeia e 73% dos bens embargados são fornecidos pelos Estados-membros da UE. A resposta política de Moscovo às sanções económicas e financeiras impostas pela União Europeia, Noruega, Estados Unidos, Austrália e Canadá (na sequência do conflito na Ucrânia) já está a provocar uma descida de preços na fruta, vegetais, carne de porco ou leite e, num mercado globalizado, o que afecta uns, afecta todos.

No início do mês, 300 agricultores polacos protestaram em Varsóvia a exigir mais ajudas a Bruxelas. A Polónia é o maior exportador de maçãs do mundo, produz anualmente três milhões de toneladas e vende cerca de um terço à Rússia. O fim do comércio com o seu principal cliente deixou os produtores desesperados. As maçãs polacas entraram, assim, noutros países, aumentando a oferta de um dia para o outro, fazendo, por isso, descer os preços.

Domingos dos Santos, que também é presidente da Federação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Hortícolas (Fnop), sublinha que “o problema não são as oito mil toneladas de exportações da fileira em Portugal”. “Na mais recente feira do sector em Madrid, a Polónia tinha umstand enorme para promover as suas maçãs. Vêm do norte da Europa, para o Sul, estão a tentar vender em todo o lado e a preços muito mais baixos”, conta. No caso da pêra rocha, as descidas de preços são na ordem dos 40 a 50%, face ao valor normal de campanha, adianta.

Os valores são semelhantes ao que se passa noutros países europeus. Há pouco mais de uma semana, Pekka Pesonen, secretário-geral da Copa Cogeca, que representa os agricultores na União Europeia, alertava para uma descida abrupta dos preços de 50% em alguns sectores. Este era, aliás, um dos receios de Bruxelas quando avançou com as medidas de apoio extraordinárias que, no total, totalizam 290 milhões de euros (ver caixa).

João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, diz que no caso da pêra rocha, característica da região do Oeste, a influência do embargo “é brutal”. “Há muita concorrência no mercado da fruta e no caso da pêra rocha os preços à produção baixaram, por vezes, abaixo do preço de custo, o que é preocupante”, afirma. Este movimento de descida afecta outros produtos e João Machado admite que à CAP têm chegado queixas. “Há os produtores que estão abrangidos pelo embargo [ou seja, que vendiam para a Rússia] e os que estão a sofrer com a baixa de preço por via do aumento de concorrência. Mas ainda não é um problema global e em Portugal está bastante mais minimizado do que noutros Estados membros”, desdramatiza.

Carlos Marques também esteve na mesma feira em Madrid e viu o investimento em promoção externa feito pela Polónia. A Hortapronta foi das primeiras organizações de produtores (OP) a conseguir apoios de Bruxelas à retirada de produtos. Os seus 140 produtores entregam couve coração, couve lombarda, alho francês, cenouras e batatas na central hortofrutícola instalada na Atouguia da Baleia, às portas de Peniche. As ajudas incidiram apenas sobre a cenoura, agora destinada ao Banco Alimentar contra a Fome - a instituição que está a receber e distribuir os excedentes (ver texto ao lado).

“Neste momento, como não estamos a exportar, estamos a ficar com stocks de batata nas câmaras frigoríficas. A maior dificuldade será quando estivermos em plena produção”, diz. Esta OP tem três mil toneladas de batata armazenadas e Carlos Marques diz que, em tempo útil, “é muito difícil encontrar mercados alternativos”. “Em África temos a concorrência directa dos holandeses e dos belgas”, ilustra, acrescentando que o esforço de venda está a ser feito no mercado nacional. Talvez por isso - e de acordo com uma recolha feita pelo PÚBLICO numa das maiores cadeias de distribuição - o preço da cenoura desceu de 0,65 cêntimos na primeira semana de Abril para 0,39 cêntimos na passada sexta-feira. Ou seja, 33% menos.

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