domingo, 30 de novembro de 2014

ARTIGO DE PACHECO PEREIRA...






O combate político de Sócrates não é o nosso


JOSÉ PACHECO PEREIRA

29/11/2014 - 05:16


Por favor, projectem a recusa zangada do Governo para melhores causas do que o destino político do engenheiro Sócrates.


Agora que José Sócrates entra no seu último grande combate político – que é como ele olha para a sua prisão e para as acusações que lhe são feitas – e quando o ano eleitoral vai ser dominado pelo confronto entre os que vão usar a sua “culpabilidade” contra o PS, exigindo demarcações e purgas, e os que vão ver na prisão de Sócrates uma última manobra dos “malandros” que nos governam – duas teses politicamente fortes – resolvi andar para trás, para a memória.

Deixei de lado o argumento “responsável” de que “o que é da Justiça é da Justiça” e “não se deve misturar Justiça e “política”, porque isso pouco mais é do que “linguagem de madeira”, langue de bois, que se pode recitar (e desejar), mas que será varrida pela vida pública concreta que em democracia não é asséptica e inclui tudo: vinganças e amizades, desejos e medos, suspeitas e certezas, imagens e factos. Como é que chegamos aqui? Para quem escreve todas as semanas nos jornais isso significa: viste o que aí vinha?

No livro que publiquei sobre os “dias do lixo” não os comecei por Passos Coelho, Relvas, Gaspar e companhia, mas pelos últimos anos de José Sócrates. Foi aí que começaram os “dias do lixo”. No dia 16 de Outubro de 2010, governava Sócrates, escrevi no PÚBLICO um conjunto de frases para os “tempos de hoje”. Peço desculpa de me citar, mas a gente também tem de ser avaliada pelo que disse, com data.

As frases eram dirigidas a Sócrates, a um Sócrates que tinha ganho as eleições e estava em plena loucura de esbanjamento, e a Passos Coelho, a um Passos que tinha então um discurso contra Manuela Ferreira Leite muito próximo do de Sócrates. Sócrates caminhava velozmente para o PEC IV e a bancarrota, Passos Coelho tinha posições pouco distintas de Sócrates, recusando a austeridade do PC IV, a última que se poderia ter tido sem troika, porque a achava “excessiva”. Passos Coelho prometia não aumentar impostos, nem despedir ninguém, nem cortar subsídios de Natal, nem tocar nas reformas, mas apenas atacar as “gorduras” do Estado.

Ambos estavam pior do que ceguinhos. Quando falo a seguir de austeridade, falo contra Sócrates e Passos Coelho. E quando elogio a determinação sobre o défice, a dívida, não falo do Passos Coelho de 2012-4, porque os problemas que ele defronta hoje foram em grande parte criados por ele próprio, pelo modo como teve de lidar com o descalabro orçamental gerado pelas despesas sociais resultado da “surpresa” do desemprego e pela depressão na economia. Como escrevi então, a boa política é a “a que escolhe as melhores medidas de austeridade e evita as más medidas de austeridade”. Não foi o que aconteceu, a “austeridade” foi conduzida por um programa ideológico, uma profunda ignorância do país e muita incompetência – por isso, os problemas que defrontamos hoje são fruto de Sócrates e Passos Coelho em conjunto.

Retirei uma ou outra frase, não porque não as pudesse incluir, mas para economia da citação, já de si bastante pouco económica. Serviam apenas para reforçar a frase anterior. Apesar de tudo isto hoje em 2014 parecerem trivialidades, regressem a esse ano de interregno, 2010, entre a vitória eleitoral de Sócrates e a sua demissão, e leiam o que se escrevia e dizia, do PS ao PSD, para comparar. Aqui vão algumas das frases de 2010, escritas muito antes da troika:

“1. A crise económica, social e política não vai durar um ou dois anos, vai durar pelo menos uma década. Na melhor das hipóteses.

2. O político que disser que as coisas vão melhorar na volta da esquina está a mentir.(…)

7. Primeiro serão os salários, depois serão as reformas. (…)

8. Nenhum imposto que subiu descerá tão cedo, se descer.

9. Nenhum salário que foi cortado voltará a ser inteiro.

10. Os mais pobres serão as vítimas principais, como sempre.

11. A classe média é que conhecerá a maior queda de qualidade de vida.

12. Algumas pessoas enriquecerão com a crise.

13. A corrupção continuará florescente. (…)

14. A crise matará milhares de pequenas empresas. (…)

16. As escolas tornar-se-ão mais caóticas. O clima de crise social é propício à indisciplina grave.(…)

18. A Saúde ficará bastante mais cara para todos.

19. A TAP pode não sobreviver à crise, a RTP sobreviverá. (…)

24. No final da década os portugueses vão estar pobres e a caminho de ficarem ainda mais pobres. Se nessa altura a nossa situação da dívida e do défice estiver controlada, ganhamos a década. Se não, perdemos ainda mais.

25. O estado dos portugueses será de irritação política, na melhor das hipóteses. Na pior poderá haver violência. (…)

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