terça-feira, 27 de julho de 2010

UM AR DE Literatura Portuguesa:CESÁRIO VERDE! (1855-1886)


“…E que misterioso o fundo unânime das ruas, /
Das ruas ao cair da noite, ó CESÁRIO VERDE, ó MESTRE…/
ÁLVARO de CAMPOS (heterónimo de FERNANDO PESSOA)FOTO GOOGLE




“VERDE” de NOME… bem MADURO, por sinal…pois a sua poesia é das coisas mais lindas que se podem encontrar no Género Lírico, na poesia dos finais do Século XIX! E vejam como o próprio FERNANDO PESSOA se inclina, reverentemente, perante a grandiosidade da literatura de CESÁRIO VERDE (C.V):
“…E que misterioso o fundo unânime das ruas, /Das ruas ao cair da noite, Ó CESÁRIO VERDE, Ó MESTRE…!” (Heterónimo ÁLVARO DE CAMPOS).
Nasceu C.V. em LISBOA; seu pai, comerciante do ramo das ferragens, possuía uma quinta em LINDA-A – PASTORA que produzia tão bela fruta quanto saúde e paz com a Natureza, de que o poeta tanto precisava dado o cansaço que a capital nele causava. C.V ainda chegou a frequentar o Curso Superior de Letras, do qual cedo desistiu, mas onde conheceu o escritor Silva Pinto, que foi o amigo que publicou, depois da sua morte, as poesias deste génio lírico, num livro a que deu o nome de “Livro de CESÁRIO VERDE”.
Foi C.V. um poeta do período REALISTA/PARNASIANISTA, século XIX, que deixou o mundo tão cedo, que nos privou de tanta maravilhosa poesia quanto a que escreveu. E deu-nos o que o Supremo permitiu… A tuberculose era a doença da moda, neste período de intensa industrialização da nossa sociedade, e quase toda a sua família morreu, como ele, dessa terrível doença, num tempo em que ainda se não falava de antibióticos.
Na sua curta vida, não conseguiu o grande poeta ver publicados os seus poemas por nenhuma editora. Lamentava-se desse facto que o humilhava e fazia sofrer. Eis como a isso alude, no poema “CONTRARIEDADES”: “ (…) EU nunca dediquei poemas às fortunas… só a amigos ou a artistas. Independente! Só por isso os jornalistas/Me negam as colunas. / (…) Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, /Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, /Um folhetim de versos (…)”
A sua grande preocupação era passar, em verso, a realidade da vida do mundo que o circundava, errando, vagueando, pela cidade, em diferentes momentos do dia e da noite, contando, com o recurso ao visualismo e através de inúmeras SINESTESIAS, as misérias da vida citadina, os podres da civilização, a doença, o trabalho das classes desfavorecidas, a exploração de todos por muitos, neste tempo da expansão da industrialização na EUROPA e, mais particularmente, em PORTUGAL. É realista, porque descreve e narra, em verso, a realidade da vida da LISBOA do seu tempo; é parnasianista, pois como os poetas gregos do MONT/cidaddeE PARNASO (o monte dos poetas), se preocupava com a forma correcta de poetar, sem obedecer a regras, para que, deste modo, conseguisse abrir à poesia as portas da vida e nela permitir que entrassem os ruídos, os cheiros e a linguagem das ruas. O REALISMO de CESÁRIO VERDE reflecte, no entanto, um afastamento marcante do naturalismo e um desencanto com o próprio movimento realista, pois que ele pôs nos seus poemas todo o seu SENTIR, a sua subjectividade, o seu modo de viver os problemas. No poema “NÓS”, afirma:” (…) ao meu olhar/tudo tem um certo espírito secreto/ (…). O pronome possessivo “meu”confirma o subjectivismo, sempre que o encontrarmos nos seus poemas… Pode dizer-se que o Realismo está na narração, em verso, do que ele, realmente, observa, vê…
Os temas mais importantes da estética Cesariana são três, essencialmente: a dicotomia campo/cidade, a mulher, a realidade da vida dura do povo, bem como, por consequência, a crítica às injustiças sociais.
Apesar de o poeta adorar LISBOA, a cidade era, para ele, o símbolo do mal, da doença, da infelicidade, das injustiças, da exploração… Ao contrário, o campo representava a saúde, o bem, a vida sã, as virtudes, o paraíso da saúde, do viver simples e são. Ao lermos o poema “NUM BAIRRO MODERNO”, vemos como C.V. dramatiza a invasão simbólica da cidade pelo campo, através de uma pequena vendedeira de frutas e legumes que depõe a sua giga, “como um retalho de horta aglomerada”, numa escadaria de mármore de uma casa apalaçada. E o amor pelo campo contribui para que, numa atitude perfeitamente surrealista, ele “visse” os frutos e os legumes transformados “num ser humano”: “Eu descia/sem muita pressa, para o meu emprego, / (…) notei de costas uma rapariga pousar, ajoelhando, a sua giga…/(…)tamancos, …esguedelhada, feia(…)seus bracinhos brancos…/Subitamente que visão de artista!-/ Se eu transformasse os simples vegetais,/…Num ser humano que se mova e exista/Cheio de belas proporções carnais?!/…
A escrita de Cesário parte sempre das sensações para terminar em IMAGENS, proporcionando ao leitor a LEITURA-VISÃO da realidade observada, numa perfeita atitude de pintor impressionista! Ele próprio o reconhece quando diz: ”PINTO QUADROS COM LETRAS”. O uso de todos os sentidos da condição humana, está de tal modo disseminado pela sua obra, que o leitor pode “VER” situações que ele poetiza, como se pode ver nos versos seguintes, tirados de vários poemas: ”…Foi quando tu, descendo do burrico, /Foste colher…a um granzoal azul de grão-de-bico, /Um ramalhete rubro de papoulas. / (…) E houve talhadas de melão, damascos/ E pão-de-ló molhado em malvasia./
No que diz respeito ao papel da mulher na sua poesia, deve dizer-se que a mulher superior o irritava, porque o fazia sentir-se humilhado. Um pouco complexado perante a grandiosidade da mulher que o não olhava, chegou a fazer poemas extremamente duros, sobre esse tipo de mulher. Isso pode ver-se em vários versos de outros tantos poemas como “DESLUMBRAMENTOS”, em que afirma: ” O seu olhar possui, num jogo ardente/Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo; /Como um florete, fere agudamente (… )”; no poema “ESPLÊNDIDA”: (…) Ei-la! Como vai bela (…) É fidalga e soberba, (…) Tem a altivez magnética e o bom-tom/ Das cortes depravadas. / (…) E eu vou acompanhando-a, corcovado, /…como um doido, em convulsões, /Febril, de colarinho amarrotado…”
No poema “HUMILHAÇÕES”, o sujeito poético, “ignorado e só”, repara na mulher superior, distante, fria, altiva, mas aqui já com uma superioridade que advém da condição económica e social: ” Esta aborrece quem é pobre! EU, quase JOB, /Aceito os seus desdéns, seus ódios idolatro-os; /…a mulher nervosa e vã… saltou soberba…As outras ao pé delas imitam as bonecas; / Eu ocultava o fraque usado nos botões (….).
Mas a visão que tem da mulher que não é “MILADY”, da mulher que trabalha para viver e da mulher que sofre a miséria e a doença, é outra, muito humana, muito sentida.
Sofre, por isso, perante a mulher que vive degradada e miseravelmente, vítima da opressão social da cidade e vai denunciando as circunstâncias sociais injustas, como no poema “Contrariedades”, onde nos familiarizamos com uma pobre engomadeira, tuberculosa, sozinha, que se mantém “a chá e pão”: “Ali defronte mora/Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; /Engoma para fora. /Pobre esqueleto branco…. /Tão lívida! O doutor deixou-a…”. E no poema “Humilhações” aparece uma infeliz, no meio da grandiosidade e do fausto da burguesa: ”de súbito, fanhosa, infecta, rota, má, /Pôs-se na minha frente uma velhinha suja…olhos de coruja….” .
JACINTO DO PRADO COELHO, in “Problemática da História Literária”, 2ª edição, Edições ÁTICA- 1961, refere: ”…C.V. é um dos grandes iniciadores do moderno na poesia portuguesa. Contemporâneo de um DEGAS, de um RENOIR, Cesário alargou o âmbito do poético à representação pictórica das pessoas e das coisas humildes, quotidianas…”
Cesário ensinou-nos a poesia de respirar, de caminhar observando, de ver com amor e pormenor, quase com ingenuidade e fê-lo com uma linguagem nova, tanto de raiz burguesa como popular, rica em termos concretos, por vezes, atrevida, para sugerir mistura de sensações no físico e no anímico, uma linguagem impressionista e fantasista, como atrás referi, mas, ao mesmo tempo sacudida e coloquial.
Para começar a orientar este artigo para o fim, quero falar-vos do poema “CRISTALIZAÇÔES”, obra-prima da nossa Literatura, que o próprio poeta classificou, numa linguagem matemática, como um poliedro, uma figura sólida com muitas faces, pois nele conseguiu mostrar o sofrimento de imensas classes trabalhadoras. Vejamos: “De cócoras, em linha, os calceteiros, (…) Disseminadas, gritam as peixeiras (…) Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas, (…) Povo! No pano-cru rasgado das camisas/ Uma bandeira (…) e os suspensórios traçam-lhe uma cruz!” Tanta coisa mais que fica por dizer!
Inúmeros vultos da LITERATURA Nacional e internacional se vergaram perante a grandiosidade da obra do pobre POETA: JACINTO PRADO COELHO, CLARA ROCHA; MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS, DAVID MOURÃO – FERREIRA, GEORG RUDOLF LIND, FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO E HETERÓNIMO, …
Deixo este autor com uma frase de GEORG R. LIND, in Revista COLÓQIO/LETRAS, nº 93, SET/1986: “LER a obra de Cesário VERDE, nomeadamente “O Sentimento de um ocidental” equivale a ler um EÇA de QUEIRÓS transformado em poeta; significa entrar em contacto com uma poesia realista”.


NOTA: este artigo, embora preocupado em dar uma ideia da obra de CESÁRIO VERDE, como se pode calcular não o consegue fazer, dadas as restrições de espaço. Devem os alunos do ENSINO SECUNDÁRIO estar atentos, primeiro que tudo, às aulas de PORTUGUÊS, onde esta matéria é alargadamente tratada pelos seus Professores, caso ainda faça parte dos PROGRAMAS.

10 comentários:

  1. Sempre em cima, Elisa, sempre a espalhar cultura. Como já não molhei os pés no seu riacho, aproveitei, como estava vestido assim assim, fui beber uma água ao Palace...
    Um beijo.
    Luís

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  2. LUÍS FERNANDES: meu querido amigo, eu acho que um povo mais culto talvez saiba responder melhor aos ditadorzitos de meia tigela...Temos por aí uma carrada de "Cagões" que não valem um " chavo"e este povo parece adormecido!
    E a água do PALACE? BEM... depende da água, ó LUÍS... O café que lá vou beber, de vez em quando .já sabe o que custa... Mas se a tua água for...BALLANTINES, por exemplo, ah, aí a coisa muda de figura...
    BEIJINHO AMIGO DE
    Mª ELISA

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  3. Frígida


    Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
    Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
    Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
    E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

    Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
    Expõe a majestade austera dos invernos.
    Não cora no seu todo a tímida candura;
    Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.

    Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
    Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!...
    Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
    Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!

    Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
    Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
    Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
    É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!

    Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
    Ó gélida mulher bizarramente estranha,
    E trêmulo depor os lábios no seu pulso,
    Entre a macia luva e o punho de bretanha!...

    Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.
    Ao encarar consigo a fantasia pasma;
    Pausadamente lembra o silvo das jibóias
    E a marcha demorada e muda dum fantasma.

    Metálica visão que Charles Baudelaire
    Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,
    Permita que eu lhe adule a distinção que fere,
    As curvas da magreza e o lustre dos adornos!

    Desliza como um astro, um astro que declina,
    Tão descansada e firme é que me desvaria,
    E tem a lentidão duma corveta fina
    Que nobremente vá num mar de calmaria.

    Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
    No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
    E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe
    O sossegado espectro angélico da Morte!

    O seu vagar oculta uma elasticidade
    Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
    E a sua glacial impassibilidade
    Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.

    Porém, não arderei aos seus contactos frios,
    E não me enroscará nos serpentinos braços:
    Receio suportar febrões e calafrios;
    Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

    E se uma vez me abrisse o colo transparente,
    E me osculasse, enfim, flexível e submissa,
    Eu julgara ouvir alguém, agudamente,
    Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!

    Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'

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  4. Querida amiga Maria, vir ao seu blog é ficar em sintonia total com a cultura.Beijocas

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  5. MAnuel MARQUES: poema de Cesário Verde , onde ele trata " mal" a Mulher, por norma, pois que se sente um homem rejeitado, por ser de condição social inferior...Como sabes ,isso era natural na nossa sociedade... Ainda me lembro de minha Mãedizer que as meninas "que estudavam" só deverem casar com doutores...
    Mas sei, que em algumas aldeias do "Portugal profundo", ainda é norma...só que as raparigas ,hoje, já não aceitam "o DIREITO de PERNADA"...
    GRAÇAS, que os tempos mudaram, embora demasiado, em certas coisas que tocam a dignidade da MULHER, se ela não se preservar...
    Beijo amigo
    Mº elisa

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  6. Um prazer conhece-lo, gostei muito do que nos apresentou aqui.
    beijos

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  7. marilu, ainda bem que sentes isso! Bem sei que o texto é longo e podes crer que dá trabalho a escrever ...mas é uma satisfação transmitir um pouco do que se sabe...e receber outros ensinamentos, em troca!
    Beijo de Mª ELISA

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  8. Angela. é um GRANDE poeta do século XIX, que tem feito parte dos programas dos alunos pré -universitários:
    Beijos de Mª ELISA

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  9. Maria Ribeiro

    Fiquei a saber mais aqui sobre Cezário Verde. Confesso que pouco mais sabia do que a naturalidade, e de ter busto junto à Rua D. Estefânia, em Lisboa. Curiosamente, já o tinha na mente, como um dos grandes poetas.
    De modo que agradeço muito a oportunidade de ler o teu texto. Valeu a pena, fiquei com uma ideia geral de quem foi Cezário Verde, o poeta sobre quem se punham muitas interrogações.
    Beijos

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  10. DANIEL COSTA: ainda bem, meu amigo!é isso que pretendo, quando dou um bocadinho do que sei, para aprender convosco ,também.
    Beijos de
    Mª ELISA

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