sexta-feira, 24 de julho de 2015

Ex-PRESIDENTE JORGE SAMPAIO RECEBE, HOJE, PRÉMIO DA ONU...


ENTREVISTA
Faz-nos falta a confiança de Mandela na capacidade de os homens se entenderem


SOFIA LORENA

24/07/2015 - 07:02


Aos 75 anos, Jorge Sampaio recebe o Prémio Mandela, uma “homenagem aos que dedicaram a sua vida ao serviço da humanidade” que o ex-Presidente português sente como uma responsabilidade acrescida."Em tudo o que tenho feito há sempre uma preocupação de defesa do que é justo" DANIEL ROCHA




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Jorge Sampaio foi convidado para representar a ONU na Luta Contra a Tuberculose semanas depois de deixar Belém, em 2006. Seguiu-se a Aliança das Civilizações, que um amigo próximo lhe descreveu como “uma missão impossível”. Único enviado especial de dois secretários-gerais das Nações Unidas, Kofi Annan e Ban Ki-moon, o ex-Presidente recebe hoje o Prémio Nelson Rolihlahla Mandela, um galardão criado o ano passado pela ONU para consagrar o legado “de reconciliação, transição política e transformação social” do líder sul-africano.


Mais prestigiante ainda por só ser atribuído a cada cinco anos, o prémio vai homenagear sempre um homem e uma mulher de áreas geográficas diferentes, escolhidos por um comité da ONU a partir de nomeações. Houve mais de 200 nomeados para esta primeira edição. Em Nova Iorque, para receber o prémio com Sampaio, estará a oftalmologista da Namíbia Helena Ndume.



Já me disse que o que o faz continuar é a responsabilidade que vem da capacidade que tem de abrir portas, pelos cargos que já desempenhou. Este prémio torna essa responsabilidade ainda maior?
Este prémio vem, sem dúvida, avivar essa responsabilidade e, por isso, torna-a maior. Continuo firmemente convencido de que, se os cidadãos se interessassem mais pela sua vida colectiva, se fossem mais activos na defesa dos 'bens públicos comuns', não só o sentido da solidariedade aumentaria, como se encontrariam mais e melhores soluções para os problemas que hoje afectam todas as sociedades – desde os desafios do urbanismo e da gestão do território, ao da protecção do ambiente, passando pela questão da educação, da habitação, do desemprego, da saúde pública, da resolução dos conflitos…

É um dos dois laureados da primeira edição de um prémio com o nome de Nelson Mandela. Como é que o recorda?
Tenho uma grande admiração pela personalidade e figura política de Nelson Mandela. O seu nome é um grande marco do século XX e espero que a sua influência continue viva e a inspirar as novas gerações pelo mundo fora. Há dois aspectos que quero sublinhar: por um lado, a sua intransigente defesa dos direitos humanos para todos, a sua determinação política na luta libertadora dos sul-africanos e a sua visão da vida em democracia; por outro, a forma, o processo, a abordagem essencialmente não violenta, focada na via do diálogo e de relações cooperativas bem como no respeito pelo outro que toda a vida preconizou para realizar mudanças duradouras e reconciliar as pessoas.

Esta visão e, ao mesmo tempo, profunda confiança de Nelson Mandela na capacidade de os homens, pelo diálogo e por um melhor conhecimento mútuo, poderem construir pontes e entendimentos que, sem negar necessariamente as diferenças, criam laços entre as pessoas que lhes permitem coexistir, respeitarem-se e cooperarem, é para mim um dos seus aspectos mais inspiradores e carismáticos e o legado que nos cumpre explorar sempre mais. Aliás, quando olhamos à nossa volta e para o estado do mundo nos nossos dias, salta aos olhos o quanto uma abordagem deste género nos faz falta, quer seja na Europa entre parceiros europeus, quer no Médio Oriente, quer no conflito israelo-palestiniano, quer nas relações entre estados e povos do mundo islâmico, por exemplo.

Entre os motivos para a atribuição do prémio, o comité cita a luta pela restauração da democracia em Portugal e a defesa, em tribunal, de presos políticos e vítimas da repressão ao regime. Esse lado de advogado activista ficou sempre de alguma forma presente em todas as actividades a que se dedicou?
É sempre difícil ser juiz em causa própria, mas penso que sim! O advogado e militante fazem um, e em tudo o que tenho feito há sempre uma preocupação de defesa do que é justo aliado a um empenho, a uma determinação que se prende com convicções, com princípios, com valores.

Também é referida a defesa da independência de Timor-Leste. Foi uma das suas causas. É uma utopia tornada realidade?
Não reivindico nenhum protagonismo especial, mas valho-me da circunstância de ter tido uma presença constante no processo da descolonização e da independência de Timor, que revestiu as mais diversas formas e que foi concomitante a muitos outros actores, ao longo dos anos. Não poderei esquecer nunca o dia 20 de Maio de 2002, que vivi plenamente como Presidente da República e que culminou precisamente nesse acto singular e irrepetível na história das relações entre os portugueses e os timorenses, entre Portugal e Timor-Leste, quando trocámos entre nós os símbolos da nossa soberania. Mais do que utopia, Timor foi uma sem dúvida uma das causas diplomáticas fortes dos últimos 40 anos.

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