segunda-feira, 6 de julho de 2015

DE PORTUGAL...


Lisboa está a deixar morrer os seus palácios


MARISA SOARES

05/07/2015 - 07:08


Cerca de um quinto dos palácios e quintas de recreio existentes na capital está mal conservado ou mesmo em ruína, segundo as contas do Fórum Cidadania Lisboa. Alguns estão classificados mas nem a lei os protege do abandono e do vandalismo.O Palácio da Quinta das Águias é um imóvel de interesse público abrangido por seis zonas especiais de protecção ENRIC VIVES-RUBIO




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Quem passa na Rua da Junqueira, entre a Cordoaria e Belém, nem adivinha o que está no número 138. Por detrás do gradeamento e do matagal que cresceu descontrolado, o edifício mal se vê. É preciso contornar os muros e subir a Calçada da Boa Hora para ter a visão desoladora de um palácio abandonado.

Através do portão de ferro vê-se a fachada principal do palácio da Quinta das Águias, cuja entrada foi vandalizada com graffiti. A tinta cor de salmão a descascar nas paredes e as janelas abertas ou com vidros partidos sugerem anos de abandono. Dos painéis de azulejos azuis e brancos que revestiam parte das fachadas do edifício há apenas vestígios. No chão, coberto de erva seca, há lixo espalhado. No jardim reina um caos verde e às palmeiras já só restam os enormes troncos. As estátuas das águias que decoravam o portão já “voaram”.

Vão longe os tempos áureos desta quinta setecentista, mandada construir por Manuel Lopes Bicudo, com projecto de Lodi e de Carlos Mardel, e adquirida em 1731 por D. Diogo de Mendonça Corte-Real, secretário de Estado do rei D. José I. No início do século XX, a quinta foi parar à família do médico Lopo de Carvalho e foi vendida nos anos 90 a Ricardo Oliveira, constituído arguido no caso BPN. O estado de conservação do palácio, da capela e do jardim com quase 7000 m2 foi-se deteriorando. O imóvel, classificado como imóvel de interesse público e abrangido por seis zonas especiais de protecção, está para venda na Sotheby's há vários anos, por um preço que em 2010 rondava os 20 milhões de euros.

Como o palácio da Quinta das Águias, há cerca de 30 palácios e quintas de recreio na capital "num estado de incúria e degradação incompatível com o seu grau de classificação e importância histórica", denuncia o Fórum Cidadania Lisboa. Este movimento cívico tem alertado para o mau estado de conservação destes espaços, públicos e privados, tendo feito um inventário online. No entanto, as diversas cartas de alerta que enviou para a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e para a Câmara de Lisboa, proprietária de 16 palácios (alguns deles em ruína), ficaram sempre sem resposta.

"Infelizmente há vários palácios neste estado e o mais gritante é o de Almada-Carvalhais", no Largo do Conde Barão, diz Paulo Ferrero, membro fundador do Fórum. "É um escândalo", lamenta, lembrando a beleza do pátio setecentista, dos salões, dos tectos e das varandas. O palácio, monumento nacional desde 1920, pertence a um fundo imobiliário detido em parte pela Caixa Geral de Depósitos. Segundo Ferrero, em Janeiro, numa conferência organizada pelo Fórum e pelo Instituto de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa, o director da DGPC revelou que já teria pressionado os proprietários daquele palácio para fazerem obras, exigidas também pelos regulamentos municipais. "Ninguém consegue fazer valer a lei", lamenta Ferrero.

O problema, para o historiador José de Sarmento Matos, “é que os palácios só se mantêm se tiverem uma função que os torne dinâmicos dentro da própria cidade”. A solução mais comum é a transformação em hotéis, com os promotores "cada vez mais interessados" em aproveitar a história e o património para "valorizar os seus activos", afirma. O olissipógrafo tem estado envolvido em alguns projectos na capital - incluindo dois para o Palácio da Quinta das Águias, o último dos quais com a assinatura do arquitecto Souto de Moura, mas nenhum seguiu em frente. Segundo a câmara, em 2005 deu entrada um pedido de licenciamento de obras de alteração e ampliação do palácio, inicialmente indeferido e mais tarde aprovado com condicionantes, estando ainda em apreciação na DGPC. Entretanto, “o proprietário foi intimado à realização de obras de conservação, não tendo ainda dado resposta”, informa a autarquia.

Para Sarmento Matos, o edifício não tem área suficiente para acolher um hotel. "Era fantástico para uma embaixada", sugere. O olissipógrafo admite que tem "dor de alma" quando vê um palácio abandonado mas pede que se evite o "fundamentalismo patrimonialista". "Não se pode pedir ao Estado que se substitua aos proprietários, temos que ter uma hierarquia" no que toca aos investimentos, argumenta.

Em 2009, o Governo criou o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, actualmente com uma dotação de 4,8 milhões de euros, para acudir a situações de emergência em relação a bens culturais públicos classificados, mas até agora nenhuma entidade pediu apoio para reabilitar palácios.

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