terça-feira, 21 de julho de 2015

Da Ilha do Príncipe


Num rochedo perto da ilha do Príncipe habita a inigualável lagartixa-adamastor


TERESA FIRMINO

19/07/2015 - 08:30


Réptil identificado como uma espécie nova para a ciência. Esta é a sua história científica, suspensa 45 anos e agora retomada a partir de uma prateleira com colecções de história natural.





Lagartixa-adamastor a deliciar-se com o ovo partido de uma ave
ROSS WANLESS









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Há uma nova espécie de mamífero na ilha do Príncipe


Estavam preservados em álcool, em frascos, num dos armários da sala que o Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), em Lisboa, dedica às colecções de répteis e anfíbios das antigas colónias portuguesas. Um dia ao abrir o armário, Luís Ceríaco deparou-se com uma preciosidade científica esquecida durante mais de quatro décadas. Em três dos frascos, as etiquetas diziam que as oito lagartixas lá dentro tinham sido recolhidas no início dos anos 70 nas Pedras Tinhosas, outro nome do ilhéu da Tinhosa Grande, 20 quilómetros a sul da ilha do Príncipe. “Esses frascos chamaram-me imediatamente a atenção, por dois motivos: não se conhecia na bibliografia científica qualquer referência a uma lagartixa no ilhéu da Tinhosa Grande, e o animal pareceu-me logo diferente das populações de lagartixas de São Tomé e Príncipe, que tenho estudado”, conta o biólogo.

Analisou os animais meticulosamente. Contou as escamas, mediu-lhes o corpo, fez comparações com exemplares das ilhas de São Tomé e Príncipe e do continente africano e ainda uma revisão da literatura científica sobre essas lagartixas.

Em relação às suas congéneres, as principais diferenças morfológicas desta lagartixa estão na cor, no tamanho (pode atingir mais de 11 centímetros, desde o nariz até à cloaca) e no número das escamas relativamente largas que lhe cobrem o corpo. “O animal é mais escuro do que as espécies das ilhas envolventes e do continente africano. É de um castanho muito escuro, quase negro, com manchas um pouco mais claras na zona dorsal. Também é bastante mais comprido e de proporções mais largas do que as espécies das ilhas envolventes”, descreve-nos Luís Ceríaco, curador de répteis e anfíbios do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Muhnac), em Lisboa, e bolseiro de pós-doutoramento da Academia das Ciências da Califórnia, em São Francisco, EUA. “Percebi que estava perante uma espécie diferente de todas as outras conhecidas até agora.”

Resultado, o biólogo apresentou ao mundo uma nova espécie de lagartixa do ilhéu da Tinhosa Grande, como único autor de um artigo científico na revistaZootaxa, em Junho. Remetendo para a forma como foi identificada, uma parte do título tem um toque poético, invulgar na literatura científica: “Perdida no meio do mar, encontrada na parte de trás de uma prateleira.”

O armário que Luís Ceríaco abriu, em Maio de 2014, era aquele onde estavam arrumadas as lagartixas do género Trachylepis. Os oito exemplares tinham sido apanhados em 1970 e 1971, nas últimas expedições de Portugal durante os tempos coloniais aos ilhéus da Tinhosa Grande e da Tinhosa Pequena. “Os exemplares não tinham nenhum nome científico fixado. Estavam conservados em álcool e em boas condições”, reporta o artigo.

Além das etiquetas nos frascos, havia outras com as mesmas informações atadas com um cordel a cada um dos animais. Eram, no entanto, omissas quanto ao nome do recolector e ao de quem chefiou as expedições no terreno. “O que se sabe é que os exemplares estão nas colecções”, resume o biólogo.

Na Tinhosa Grande e Tinhosa Pequena, com apenas 20,5 e 3,3 hectares, respectivamente, não há habitantes humanos e a vegetação é escassa. Mas estes dois rochedos no meio do mar são a casa de muitas aves marinhas e um local importante de nidificação. Encontram-se lá o alcatraz-pardo (Sula leucogaster), o garajau-de-dorso-preto (Onychoprion fuscata), a tinhosa (Anous stollidus), a tinhosa-de-barrete (Anous minutus) e o rabo-de-palha-de-bico-laranja (Phaeton lepturus). Sendo a maior colónia de aves marinhas do golfo da Guiné, onde se abrigam mais de 300 mil aves nidificantes, as Tinhosas foram recentemente incluídas na Lista de Zonas Húmidas de Importância Internacional. Estão também abrangidas pela classificação recente da ilha do Príncipe como Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO.

Apesar destas protecções ambientais, há pessoas por perto: “De tempo a tempo, o ilhéu principal é visitado por pescadores locais, que usam as águas para pescar e a terra para secar peixe”, refere o artigo. “Tanto quanto sabemos, os pescadores não apanham a Trachylepis adamastor, embora a introdução de predadores externos, como roedores, gatos e cães, possa exterminar uma população isolada como esta.”

Regressos à Tinhosa Grande
Mas ao fim de 45 anos desde a recolha dos oito exemplares, será que esta lagartixa ainda vivia no ilhéu? “Pus-me a pensar quem é que lá teria ido recentemente, para confirmar se esta espécie ainda lá existia”, conta Luís Ceríaco. “As Tinhosas são um local especial para a conservação das aves marinhas e têm sido feitos vários trabalhos. Lembrei-me de dois colegas ornitólogos, Nuno Barros e Ross Wanless, que tinham passado um dia no ilhéu a estudar aves, numa expedição promovida pela SPEA [Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves] em 2013”, acrescenta. “Escrevi-lhes a perguntar se por acaso tinham visto alguma lagartixa. E eles disseram que sim, que viram várias lagartixas e que tiraram fotografias.”

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