"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
domingo, 3 de maio de 2015
DE PORTUGAL...
Judeus portugueses: “Ainda aqui estou passados 500 anos”
CLARA VIANA
03/05/2015 - 08:20
Às comunidades israelitas de Lisboa e do Porto estão a chegar milhares de pedidos de informação de eventuais candidatos à concessão da nacionalidade por via da descendência sefardita.Os novos candidatos à nacionalidade são um testemunho vivo de uma história de que subsistem muito poucos vestígiosNELSON GARRIDO
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James Harlow, um americano proprietário de uma empresa de alta tecnologia em Silicon Valley, faz parte de um novo grupo de pretendentes à nacionalidade portuguesa que, por enquanto, apenas tem pouco mais de uma centena de membros certificados, mas que já despertou o interesse de milhares de outros.
Apesar do seu nome não o revelar, Harlow descende de judeus sefarditas que, por motivos religiosos, foram expulsos de Portugal a partir do final do século XV e nessa condição poderá tornar-se também português. O decreto-lei que regulamenta esta possibilidade entrou em vigor no dia 1 de Março passado. No Ministério da Justiça, a quem compete a decisão, deram entrada, desde essa data, cinco pedidos de nacionalidade portuguesa de descendentes de judeus expulsos, informou o gabinete de imprensa.
Por e-mail, a partir dos Estados Unidos, Harlow resume assim a sua situação de partida: “É uma nacionalidade que nunca tive ou que, pelo contrário, já seria a minha, caso a coroa portuguesa não nos tivesse tirado tudo?”
Para Harlow, trata-se de “fechar um círculo”. Tornar-se também português significa restabelecer “o direito à nacionalidade que foi revogado à minha família há muitos séculos”. “Porque nós ainda aqui estamos! Eu ainda aqui estou passados 500 anos”, declara.
Por enquanto, é um dos 112 candidatos que já têm um certificado a comprovar a sua “tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa”. Cerca de 100 destes certificados foram emitidos pela Comunidade Israelita do Porto (CIP). A outra dúzia foi passada pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL).
Este é um dos documentos que os descendentes dos judeus expulsos têm de apresentar ao Governo português. É uma das condições estipuladas no diploma que entrou em vigor em Março passado ou seja, quase dois anos depois de o parlamento ter aprovado, por unanimidade, uma alteração à Lei da Nacionalidade de modo a garantir-lhes o direito a serem portugueses sem que para tal tenham de cumprir os requisitos exigidos a outros candidatos (obrigação de residência legal no país e terem conhecimento da língua portuguesa).
Em contrapartida têm de provar a sua ligação a Portugal com base em “requisitos objectivos”, como o apelido, a genealogia, o idioma e as memórias familiares. Para o efeito, esclarece a CIL no seu site, deverão ter provas documentais que passam por “registos de família, arquivos relativos a nascimentos, casamentos e óbitos, cemitérios e listas de túmulos, registos de cerimónias religiosas ou arquivos governamentais que mostrem as chegadas de Portugal ou listas de navios e de passageiros” com origem em terras portuguesas.
Os sefarditas são uma das duas grandes comunidades judaicas. Descendem dos judeus que chegaram à Península Ibérica muito antes de Portugal ou a Espanha existirem. Na sua longa estadia em território ibérico muitos distinguiram-se pelos seus conhecimentos e riqueza, mas a chegada ao poder dos reis católicos de Espanha ditou o seu destino.
Foram expulsos de Espanha em 1492, muitos deles procuraram abrigo em Portugal, mas quatro anos depois o rei D. Manuel I, para conseguir casar com a herdeira dos monarcas espanhóis, ordenou também a expulsão de todos os judeus caso não se convertessem ao catolicismo.
Muitos foram forçados a fazê-lo, dando origem aos chamados cristãos-novos, que voltariam a ser perseguidos pela Inquisição desde que esta se instalou em Portugal em 1536. Foi a partir daí que se intensificou o êxodo dos judeus. Encontraram abrigo nos espaços mais tolerantes ocupados então pelo império otomano, em outros países europeus como a Holanda, Alemanha, Inglaterra e França, e também no norte de África.
Não existem dados seguros sobre o número de judeus que então viviam em Portugal. Falavam entre si o ladino, uma língua derivada do castelhano e do português, que ainda hoje é falada por cerca de 150 mil pessoas em comunidades espalhadas pelo mundo.
É este o caso, por exemplo, de um dos candidatos à nacionalidade a quem o CIL passou já o certificado a comprovar que é descendente de judeus expulsos de Portugal. “Tem como apelido Beja, nasceu no seio de uma família sefardita e ambos os pais falam ladino. Nasceram em comunidades que faziam parte do império otomano, Chios de Grécia e Izmir da Turquia”, conta Teresa Santos, uma das pessoas que tem estado a analisar os pedidos apresentados na CIL. Explica que o apelido, neste caso, teve um peso determinante para efeitos de prova da ligação a Portugal, já que entre as comunidades judaicas originárias da Península Ibérica, que se fixaram no império otomano, “era uma prática corrente apelidarem-se com os nomes das terras de onde vinham ou dar esse nome às terras em que se estabeleciam”.
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