domingo, 27 de outubro de 2013

SOBRE ALBERT CAMUS (1913-1960)-in www.geração-c.com

















O Estrangeiro” de Albert Camus (1913-1960. Nobel da Literatura em 1957). Afigura-se história simples: Morre a mãe de Mersault e este cumpre a função de ir ao velório e ao funeral. Não chora. Namora com Maria porque a deseja. Trabalha num escritório, para ganhar um ordenado. Tem um amigo, Raimundo, que se envolveu em quezília com o irmão de uma amante que espancou. Almoça no Celeste. Trivial. Indiferente ante as escolhas do quotidiano que, segundo ele, jamais fazem a diferença, dado que todos mortos um dia. Numa tarde de Verão dispara cinco tiros que se revelam fatais para outro homem, porque se desnorteia com o calor.



Será julgado. Testemunhamos o esgotante desenrolar do processo de acusação. Constatamos que, para os acusadores, o crime maior não terá sido assassinar um homem. Foi não carpir a mãe.



Acaba-se-lhe quem o trouxe para a vida e nem uma lágrima, um soluço, um tremor? Sinal nenhum de desconsolo? De facto, como o próprio esclarece, estaria com demasiado sono para viver, em condições, a perda. As necessidades fisiológicas impõem-se-lhe amiúde ao bom senso e aos deveres sociais. Há muito que nada diziam um ao outro, motivo bastante para que lhe não doesse tanto a despedida. Preferiria, note-se, que tivesse continuado viva, todavia, a culpa do falecimento não fora sua. No dia seguinte à descida de sete palmos da ascendente vai até à praia, namorisca com Maria e termina a noite no cinema, com uma comédia do Fernandel. Insensível, ou tão-só fiel a si mesmo?



Dir-se-á de alguém que diz o que pensa e sente que é honesto. Sincero. Confiável. E se as razões e sentires dessa pessoa chocam os outros? Agridem, até? Se vão contra tudo o que lhes incutem desde o ventre? Então desejarão que se cale (nós também), de preferência para sempre. Eis o que sucede ao anti-herói desta obra-prima de 89 páginas. Será sentenciado por se expor em demasia, ao não omitir certos pormenores do que lhe vai dentro. É descritivo até às entranhas e nunca censório. Não há floreados no discurso de Mersault, ou hipocrisia e é isso que o trama quando, ironicamente, se manteve calado a maior parte da existência, por considerar não ter o que de relevante dizer.



Culpado de não chorar, de assumir as urgências e os não-sentimentos. Culpado de não ser, nem agir, como os demais. Estrangeiro em terra de mentirosos. Ninguém aguenta a verdade inteira, como não se tolera olhar directamente para o sol. Foi a inteireza que condenou Mersault e é nessa que renascerá.



A um instante da execução crê recomeçar. Nesse momento de expiração, mais do que o amem, deseja com fervor que o odeiem profunda e exultantemente. Somente bizarro, ou derradeiro grito de liberdade?



195 BPM – A adquirir. Um livro para reler a vida toda. Cito o advogado de defesa: «Eis aqui a imagem deste processo: tudo é verdade e nada é verdade.»

2 comentários:

  1. Querida amiga,
    Já li esse livro algumas vezes. É um primor, uma joia literária, também pudera, um nobel! Me criei ouvindo dizer "Quem fala a verdade não merece castigo", santa ingenuidade. Será mesmo? Tantos questionamentos amiga, tantos horizontes estrangeiros em nós. Ah, você está me lembrando de novo esse livro que adoro!!! Acho até que vou ler mais uma vez. Obrigada por compartilhar essa resenha tão bem elaborada. Bjs

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  2. Obrigada, Marli Soares! Olha, eu também! É como uma "bíblia" de princípios! Beijinho, querida e grata pela sua visita!

    Maria Elisa(lusibero)

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