"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
O pensamento de Jacinto Prado Coelho (1920-1984)
(através de cvc.instituto-camoes.pt)
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"Apesar de o sec. XX ter sido atravessado por inúmeras controvérsias acerca da literatura e das metodologias mais convenientes ao seu estudo, de posse desse conhecimento, J.P.C. manteve princípos e conceitos que orientaram o seu trabalho: a literatura como produção estética em forma de linguagem (sem que isso implicasse aderir a meros formalismos); a literatura como organismo desenvolvido em sistemas - os géneros, por exemplo - sem que isso implicasse a redução da leitura a esquemas sistemáticos; a possibilidade de múltiplas aproximações à literatura e portanto a aceitação de metodologias diversas não exclusivas.
Classificava a sua leitura crítica do texto literário como “leitura imanente” (termo comum no sec. XX em teorias advogadas quer pela Estilística, quer pelo, assim designado, New Criticism, quer pelo Formalismo Russo) o que correspondia a uma consideração da obra literária enquanto tal, e não enquanto documento social ou biográfico, embora considerasse que o conhecimento do autor, da sua biografia, do seu enquadramento cultural, ajudava a essa leitura. Na apreciação e análise dos textos literários reconhecia (como quase inevitável) a qualidade de constituirem um todo coerente e uno. A propósito de Fernando Pessoa, por exemplo, afirmava no prefácio que antecede o estudo que lhe dedicou: “a própria diversidade [...] vale como expressão dramática de identidade”.[...] “expressão dramática” é já em si uma forma de expressão, implica uma representação cénica, a certeza de que a expressão literária (ou poesia) não existe senão em forma de”. Por outras palavras, a coerência e unidade da obra com valor estético não se opõe a uma ambiguidade e fluidez significativa. Ou ainda, a complexidade da literatura é inerente à sua própria condição estética de ser linguagem; sem que, no entanto, essa condição obrigue a um absoluto caráter intransitivo da literatura – o seu ensimesmamento – ou se torne o caminho para uma leitura desconstrutiva que o seu tempo não chegou a conhecer como prática metodológica.
Situado metodologicamente entre a História Literária, tal como o Romantismo e sucedâneos do fim do sec. XIX e primeira metade do sec. XX a foram entendendo, e a reação a essa metodologia, corporizada em todas as teorias do sec. XX que enfatizavam o estudo da literatura em si, J.P.C. esclareceu, mais do que uma vez, mas claramente em ensaio sobremaneira dedicado ao assunto, a importância que dava à questão e o modo como a entendia. Corrigiu qualquer apreço por um biografismo feito de petits faits, bem assim como a utilização pura e simples da literatura como documento de época ou autor. No entanto nunca desligou o conhecimento da literatura do conhecimento da história que a enquadrava.
Interrogando-se sobre a “actualidade” de um poeta do passado – no caso exemplar Camões – admite que a sua qualidade estética lhe permite ascender ao estatuto de ser temporal e intemporal. Digamos que a questão envolve dois atores principais: o autor- texto na sua qualidade estética e o leitor como recetor atual que recria o que recebe. Esta consideração dialogal (no ser bifronte que é a literatura, segundo o seu ponto de vista) levou-o a enquadrar progressivamente a atividade da leitura na perspetiva de uma estética da receção, o que metodologicamente foi colher aos estudos de receção da Escola alemã de Constança, nomeadamente aos trabalhos de Hans Robert Jauss. Esta conceção metodológica levou-o a sublinhar progressivamente a questão do leitor e da leitura ao ponto de ter organizado durante alguns anos um projeto sob o signo da sociologia da literatura (cf. Problemática da Leitura – aspetos sociológicos e pedagógicos).
A última recolha de ensaios, publicada sob o título Camões e Pessoa, Poetas da Utopia, é bem reveladora da atenção que deu aos trabalhos de Jauss, sem contudo aplicar ipsis verbis a sua metodologia. Neste livro, recolha de ensaios vários sob o signo de dois poetas maiores da Literatura Portuguesa, J.P.C. assume a utopia como “categoria mental” e aposta no futuro da literatura tanto quanto nos valores do seu passado. “A literatura é o espaço da utopia” diz, e continua, “Com efeito tal como a utopia, o lugar da poesia ou da ficção é o lugar inexistente em que, de modo implícito ou direto, o lugar-aqui se projeta”.
Quanto à sua Causa, sempre inacabada e também ela utópica, declara nesse mesmo último livro de uma forma quase inédita no seu percurso de recatado estudioso: “Escrevo por necessidade de evasão, para ver mais claro, para prolongar o exercício da leitura, para me aproximar dos outros, para os influenciar, para substituir a vida, para me sentir vivo. [...] Se alguma coisa aprendi (julguei aprender) ao longo dos anos foi a importância do irracional em mim e nos outros, quanto há de imprevisível nos comportamentos, como é problemática toda a possível verdade – e recordei que em mim a tolerância se antecipou a esse aprendizado, em vez de logicamente ir resultando dele. O perspectivismo, o jogo de espelhos ganharam a minha simpatia”.
Morreu muito cedo J.P.Coelho, ele que sentia não ter passado “dos vinte”. Numa interrogação retórica, deixa como herança de juventude uma inextinguível paixão pela literatura e pela vida: “Como é que por fora me podem ver diferente da minha verdade inalterável, tecido que sou de incompletude e esperança, de inquietude e ânsia de mais? Terei construído no subconsciente, para meu próprio uso, uma intemporal imagem utópica? Ou será na chamada utopia que a minha verdade mais autêntica se afirma, contra as ilusórias evidências em que os outros se fundamentam?”a.
Bibliografia das obras principais, por ordem cronológica:
A Educação do Sentimento Poético, Coimbra: Coimbra Editora, 1944. A Poesia de Teixeira de Pascoaes, Ensaio e Antologia, Coimbra: Atlântida, 1945
Introdução ao Estudo da Novela Camiliana, Coimbra:Col.Atlântida,1946; 2ªed., 2vols., Lisboa: INCM, 1982 e 1983.
Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Lisboa: Revista Ocidente, 1951; 2ªed., Lisboa: Editorial Verbo, 1963; ... 7ª edição, 1982.
Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira, (Direção J.P.C.), Porto: Liv. Figueirinhas, 1960; 2ªed.,Dicionário de Literatura. Literatura Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Galega, Estilística Literária, 2vols, 1971; 5vols, 1973; 7ª reimp., 1983.
Camilo Castelo Branco, Obra Seleta, 2 vols., Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960.
Poetas Pré-Românticos, Coimbra: Atlântida, 1961.
Problemática da História Literária, Lisboa: Edições Ática, 1961; 2ª ed., s.d.[1972].
Contos de Camilo Castelo Branco, Seleção, prefácio e notas, Lisboa: Editorial Verbo, 1961.
Poetas do Romantismo, Seleção, introdução e notas, 2vols., Lisboa: Liv. Clássica Editora, 1965.
Teixeira de Pascoaes, Obras Completas, Lisboa: Liv. Bertrand, 7 vols – [1965-1975]
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, (com Georg Rudolf Lind), Lisboa: Ed. Ática, s.d. [1967]
A Letra e o Leitor, Lisboa: Portugália Editora, 1969; 2ªed., Lisboa: Moraes Editores, 1977.
Ao Contrário de Penélope, Lisboa: Livraria Bertrand, 1976.
Matias Aires, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, (com Violeta Crespo Figueiredo), Lisboa: INCM, 1980.
Problemática da Leitura – aspetos sociológicos e pedagógicos, [com AAVV], Lisboa:INIC [InstitutoNacional de Investigação Científica], 1980.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Recolha e transcrição dos textos: Maria Aliete Galhoz, Teresa Sobral Cunha, 2vols., Lisboa: Ática, 1982.
Originalidade da Literatura Portuguesa, Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1977; 2ª ed., 1983.
Camões e Pessoa, Poetas da Utopia, Lisboa: Publicações Europa-América, 1984.
Nota: Para uma consulta exaustiva, ver Afeto às Letras. Homenagem da Literatura Portuguesa Contemporânea a Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, INCM, 1984.
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