terça-feira, 8 de outubro de 2013

O Pensamento de Eduardo Lourenço



Tempo e Poesia, Gradiva

“Como a palavra comum, e mais do que ela, a escrita é um risco total. De uma maneira geral ninguém a lerá como o seu autor a concebeu. Ela será ocasião inevitável de desentendimento, desatenção, porventura irritação ou desprezo, mas igualmente de comunhão possível, de entusiasmo, sobretudo de veículo para o transporte do próprio sonho.”


“À obsessão de julgar a Obra, antepôs-se-me a urgência de uma espécie de osmose com ela, de modo a que o meu discurso sobre ela fosse uma espécie de duplo, não do seu próprio discurso – o que nenhuma Obra é -, mas da claridade, da evidência interna, do movimento, em suma, da vida iluminante que na Obra existe, por ser o que é.”


“Decidi, por conseguinte, que os Poetas seriam os meus guias e não os críticos, quero dizer a espécie crítica que vive na ilusão de uma superioridade de estado do seu próprio estatuto crítico e da instância (quando não instituição...) em que se constitui.”


“O acto crítico autêntico é um contínuo acto de amor que não precisa de outra justificação que a da invenção mútua de existência em que todo o amor consiste […].”


“Em sentido radical não há nada a dizer de um poema, pois é ele mesmo o dizer supremo.”


“Se nada mais ficar do propósito que os meus textos «críticos» quiseram encarnar, que sobrenade ao menos a paixão e o fervor nunca desmentido pela Poesia mesma, lâmpada miraculosamente intacta no tempo de plurais trevas que a cercaram sem a poder dissolver.”


“Espírito da Terra capaz de romper através da vida obscura da inércia animal para oferecer uma face de Deus ao apelo universal da luz, a Esfinge é encarnação perfeita da ambiguidade radical da situação humana. E ao mesmo tempo a realização plástica mais concreta do acto original do homem: a poesia.”


“Compreender a Esfinge, compreender a poesia é olhá-la sem a tentação de lhe perguntar nada. É aceitar o núcleo de silêncio donde todas as formas se destacam. A obra vale pela densidade de silêncio que nos impõe. Por isso os poetas que imaginam dizer tudo são tão vãos como as estátuas gesticulantes.”


“A Saudade é a sensível existência humana, a si mesma inacessível e próxima. Inacessível porque próxima.”


“O amor pela poesia, como todo o amor, é a história dum equívoco.”


“A importância única da geração de Orpheu reside nessa aceitação sem limites da seriedade da poesia, ou, se se prefere, da poesia como realidade absoluta.”


“O universo de «Orpheu» é o de um abalo radical que num segundo de terror e êxtase confunde na terra desolada os deuses e os demónios. O drama de «Presença» é o de homens que entre as ruínas de uma terra novamente quieta procuram com fervor a imagem de um deus mais intacto para adorar. Enquanto o não acham, o prazer e a angústia da busca lhes servem de verdadeiro deus.”




Fernando, Rei da nossa Baviera, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1993.

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