LITERATURA PORTUGUESA:
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN (PORTO, 1919-2004)
Palavras da poetisa: ” Quem procura uma relação justa com a pedra,
com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito da verdade que
o anima, a procurar uma relação justa com o homem.”
Mais ainda: em 11 de Julho de1964, quando a SOCIEDADE PORTUGUESA DE
AUTORES A HOMENAGEOU, ATRIBUINDO-LHE O GRANDE PRÉMIO DE POESIA, pela obra
“LIVRO SEXTO”, disse SOPHIA, num texto do qual a minha sensibilidade destaca
algumas frases: “e o tempo em que vivemos
é o tempo de uma profunda tomada de consciência (…) Não aceitamos a fatalidade
do mal. (….). Como ANTÍGONA, a poesia do nosso tempo não aprendeu a ceder aos
desastres. (…). A obra do artista vem sempre dizer-nos “que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência, mas
que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser.”
In “DIMENSÃO LITERÁRIA”- PORTO EDITORA-ISBN 972-0-40055-2- (página 335).
Por vezes, o que aparentemente é fácil, torna-se, de repente, difícil.
Isso acontece-me, frequentemente, quando começo a medir as palavras para falar
de temáticas que se relacionam com a obra de certos vultos literários, como é o
caso da poetisa que hoje vos trago e que é, nem mais nem menos que SOPHIA DE
MELLO BREYNER ANDRESEN (S.M.B.A.).
A sua poesia é uma das mais lindas dos últimos tempos da Literatura
Portuguesa. Sei que nem todos apreciam; mas sei também que, na minha qualidade
de Professora de Português, aprendi a amar as suas palavras e a sua visão do
mundo, em função dos meus alunos e do programa desta disciplina. Quanto maior é
o amor de um Professor pelo que transmite aos seus alunos, maior é a
possibilidade de êxito dos mesmos. A poesia de S.M.B.A. é linda, colorida,
cheira a mar e à Grécia antiga…brilha no Sol dos sentidos, atirando-nos à face
a água do mar e da infância, o cheiro das paredes da casa da meninice, a maciez
das areias da praia, a espuma das ondas quebradas aos seus pés…
Poema “CASA BRANCA”: “Casa
branca em frente ao mar enorme, / Com o teu jardim de areia e flores
marinhas/…A ti eu voltarei após o calor incerto…/(…) Passados os tumultos e o
deserto/Beijados os fantasmas… da terra indefinida./”
Dado que a leitura nos enriquece e a poesia nos transmite sensibilidade
para melhor entendermos o mundo que nos rodeia e em que estamos inseridos e
dado que somos seres dotados de capacidades que escapam a outros seres da
criação, aconselho os amigos leitores a aprofundar esta matéria a vosso
bel-prazer, na certeza de que saireis enriquecidos…
A obra poética de S.M.B.A. é contaminante e, se nos esforçarmos,
permanece em nós o desejo de continuar a “ser contaminado”. Esfusiante na
afirmação dos valores que devem reger a vida do Homem, enquanto ser superior da
criação, encontramo-la, em vários poemas, a lutar contra o farisaísmo e a
hipocrisia, a discriminação, as injustiças sociais, a falta de liberdade das
gentes no período salazarista, a miséria, etc.
Vejamos extractos dos poemas “OS FARISEUS” e “ AS PESSOAS SENSÍVEIS”.
O primeiro compara o sofrimento humano ao de Cristo, traído pelos fariseus,
vítima maior da hipocrisia humana, segundo a vontade do PAI. O tema é
abrangente, na medida em que “toca” os que vivem atirando a pedra, ao mesmo
tempo que escondem a mão; daí que a poetisa termine, dizendo:”NEM UMA NÓDOA SE VIA/ NA VESTE DOS
FARISEUS.”
No poema “AS PESSOAS SENSÍVEIS”, impera, igualmente, a temática da
mentira, do farisaísmo e das injustiças sociais, das quais a exploração dos
pobres pelos ricos, sobressai, quando ela diz: ”As pessoas sensíveis não são capazes/De matar galinhas/ Porém são
capazes/ De comer galinhas/, (…) Ganharás o pão com o suor do teu rosto/” e
não:”Com o suor dos outros ganharás o pão.” Este poema termina com uma frase
lapidar: “PERDOAI-LHES SENHOR/ PORQUE ELES SABEM O QUE FAZEM. ”
Amante do MUNDO CLÁSSICO Grego, sobretudo, S.M.B.A transporta esse
mundo e esse amor para o século XX, em poemas onde refere a grandiosidade dos
muros de Knossos, a dura luz de CRETA, DELFOS do Oráculo, onde “ressurgiremos” de
um mundo mau, isento de harmonia, cheio de desigualdades sociais e de tiranias
opressoras (alusão ao período salazarista) ideias que imortaliza no poema
“PÁTRIA”: “ (…) Por um país de luz
perfeita e clara( ideia de liberdade), (…)Pedra rio vento casa/Pranto dia canto
alento/Espaço raiz e água/ Ó minha Pátria e meu centro / Me dói a luz me soluça
o mar/ E o exílio se inscreve em pleno
tempo (LIVRO SEXTO ,1962). Ao fazer tais afirmações, Sophia recorda-nos a
grandiosidade d’outrora que já não o é mais, porque o povo sofre a “miséria que
o tempo desenhou”, no tempo da ditadura salazarista. Esta mulher, uma das mais
notáveis poetisas portuguesas do séc., passado, condição que perdura pois o
poeta é intemporal, foi também uma lutadora anti-fascista ao lado de seu
marido, Francisco de Sousa Tavares, atitude social que se pode ver,
nomeadamente, no poema “Este é o tempo”: “Este
é o tempo/ da selva mais obscura/Até o ar azul se tornou grades/ E a luz do sol
se tornou impura/ Esta é a noite/Densa de chacais (…) Este é o tempo em que os
homens renunciam. ”
Fala Sophia, em vários poemas, do tema “exílio”, o que não é senão um
modo de avivar o espectáculo degradante da emigração, na década de sessenta, em
que se viam os portugueses a fugir do regime e da miséria atávica. Como sabemos
todos, hoje, século XXI, continua este nosso ir pelo mundo fora, à procura de
empregos que cá não temos, buscando “outras canelas e pimentas”, sofrendo novas
despedidas, novos lenços a acenar, novos trajos negros a derramar lágrimas de dor…
É impossível não detectar na sua obra influências de Fernando Pessoa.
Amando, como demonstra amar, os clássicos, mereceu-lhe especial carinho o
heterónimo RICARDO REIS, a quem dedicou um poema, onde, seguindo as suas
pegadas, reafirma que só o Presente conta, já que o Futuro é uma incógnita e o
Passado de nada já pode valer. Nesse poema lembra a lição dos deuses ausentes,
porque: ”O seu olhar ensina o nosso
olhar:/Nossa atenção ao mundo/ É o culto que pedem. ” In “DUAL” (1972)
Esta é uma perfeita atitude epicurista, clássica-pois claro!- de quem
usufrui plenamente do momento presente, pois KRONOS( deus do tempo) passa,
inexoravelmente, sem nos conceder mais tempo que aquele que os deuses nos
destinaram…Mas SOPHIA identifica-se também com ALBERTO CAEIRO, outro heterónimo
de PESSOA, no amar a Natureza com a simplicidade dos sentidos; por isso fala
tanto da maravilha que é apanhar búzios, conchas, ter as mãos e os pés
enterrados na doçura da areia , sentir a água do mar a fugir-lhe ,por
entre os dedos …
MALLARMÉ, poeta francês do século XIX (1842-1898) afirmava, sobre a
tarefa dos poetas: “dar um sentido mais
puro às palavras da TRIBU, é uma missão do poeta.”
E como SOPHIA cumpriu essa missão! Linda de se ler, bela de se ouvir,
rica de aprender!
Podemos, para concluir, afirmar que é belo tudo quanto nos possa vir à
ideia, depois de a lermos: o Parthenon, a estátua de Apolo, o templo de SÃO
PEDRO, EM ROMA, a incomensurável MURALHA DA CHINA, o TAJ MAHAL… pois tudo, à
semelhança da poesia de S.M.B.A., foi feito pela mão e pela mente do Homem, com
alegria e dor, na tentativa de “cantar” e elevar a “obra” para DEUS, esse Ser
que para uns é DEUS, para outros ALÁ, para outros Jeová…Buda…Confúcio… KRISHNA…
todos objecto de admiração do ser humano, o mais imperfeito dos seres perfeitos
do PLANETA …
SOPHIA não foi poetisa, somente, pois talvez pelo facto de ter sido
mãe de cinco filhos, cedo se dedicou à escrita de contos, que AINDA hoje fazem
parte do universo literário dos programas de PORTUGUÊS. RECORDEMOS: “A FADA
ORIANA”, “ O CAVALEIRO DA DINAMARCA”, “ A FLORESTA”, “ A MENINA DO MAR”, por
exemplo. Não se esgota o tema “ SOPHIA”…Devem os leitores interessados
aprofundá-lo, se assim o entenderem. Diz o povo que “o saber não ocupa lugar”…
SOPHIA afirma: “Um verdadeiro livro
propõe sempre uma maneira de ser”
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