Era mais que natural que o grande crítico-escritor
quisesse fazer jus a tanta desvairada leitura das modernidades…Mas centrarei a
minha atenção n”Os Maias apenas por entender que, nesta obra, o escritor põe a
nu todos os pecados e pecadilhos que pretendia pôr em destaque, nesta
esclerosada sociedade finissecular, que não havia maneira de acompanhar os
ventos de mudança do mundo.
Senão, vejamos: lá está o adultério
corporizado nas personagens “condessa de Gouvarinho” e “Rachel Cohen”; lá se vê
o fanatismo religioso de Maria Eduarda Runa e das tias do infeliz Eusebiozinho,
conduzindo os seus “rebentos” a uma educação religiosa, de tal modo deturpada e
arcaica, que só podia dar em fracasso ou desgraça…
Há, na mesma obra (“Os Maias”), o tema
mais chocante, o incesto, na narrativa central: Carlos da Maia, ao apaixonar-se
por Maria Eduarda, apaixona-se, sem o saber, pela própria irmã! Mas o grande
problema não está verdadeiramente nessa paixão…está no facto de, no dia em que
ele o vem a saber, mesmo assim! vai dormir com ela…
Vemos também tratado, com a profundidade
conveniente, o tema da poltronice nacional, consistente com a falta de
trabalho, ou melhor dizendo, a falta de vontade de trabalhar dos portugueses…e,
sobrando o tempo, sobravam os vícios. Imitavam-se os modos de viver, a moda em
si, o falar, os usos e costumes de países que nada tinham a ver com os valores
nacionais…Há uma espécie de “emperramento” das mentalidades que, naturalmente,
impedia o país de avançar ao ritmo da Europa desenvolvida, do progresso e da
ciência. Mas há mais, infelizmente…Há o país à beira da bancarrota, o que
explica, quase só por si, a presença da personagem Steinbroken, representante
do governo finlandês, que estudava, por entre saraus e” teatrices”, a
eventualidade de um empréstimo daquele país ao nosso (já naquele tempo era a
Finlândia o modelo…). Dava nas vistas pois, enquanto por cá comia e bebia,
punha mais em evidência a miséria deste país. Nesta obra de Eça, sobressai
ainda a temática do jornalismo corrupto, o tal que se vende para o lado que der
mais, protagonizado pelo Palma Cavalão… As notícias, no “CORNETA DO DIABO”,
davam-se, por vezes, de acordo com a opinião de quem melhor por elas pagasse ou
então não se davam! de acordo com o mesmo “princípio”.
Há, enfim, uma galeria de personagens
que estavam ali (na obra) para acentuar a velhice de Portugal, o atraso, a
deturpação das ideias de grandiosidade, a inversão de valores.
Há Carlos e Ega que chegam a esta triste
conclusão: “ Falhámos a vida, menino!”
(pág.712 da obra “Os Maias”, de Eça de Queirós, edição “Livros do Brasil”,
conforme a edição de 1888).
Ambos passeiam pela capital, com a
sensação de que aquela gente traduzia a decadência do país, na medida em que se
caracterizava pela inacção, pela ociosidade militante que a levava a
vagabundear, numa moleza exasperante.
No capítulo XVIII, a páginas 697, diz
Carlos que nada mudara na Lisboa que ele deixara, onze anos antes…” A mesma sentinela sonolenta rondava em torno
à estátua triste de Camões… (…) os mesmos reposteiros (…) o mesmo ar mudo e
deserto…”
CAMÔES representa, no meio de toda esta
pasmaceira, o Portugal Antigo e grandioso; ele continua a ser o arauto dos
antepassados heróicos. Ali, naquela praça desprovida de vida, a estátua do
grande clássico, coberta de musgo, assiste, impotente, à decadência do país. Os
olhos do grande poeta pasmavam, também eles! perante os aburguesados citadinos
que nada mais faziam que andar, de charuto na boca e botas abicadas, à
francesa- pois claro!-rua acima rua abaixo, na ociosidade “emocionante” de
quem nunca trabalhou, mas também nunca
deixou de comer, pois o pão para a boca lá ia “caindo do céu aos trambolhões”…Portugal
era um fracasso! Tudo continuava, fracassadamente, “romântico”!.
Na pág. 714 Ega diz a Carlos: “ E que somos nós? Que temos nós sido desde
o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na
vida pelo sentimento e não pela razão. Riram ambos. Depois, Carlos, outra vez
sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da
experiência e que agora o governava: era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e
nada recear. Não se abandonar a uma esperança- nem a um desapontamento (…) o
“EU” ir-se decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo…Sobretudo
não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades…”.
Ainda me falta dizer-vos, sucintamente,
qualquer coisinha sobre o Naturalismo. Geralmente, é explicado como sendo a
continuação do Realismo, mas em Portugal andou-lhe quase sempre associado. Ele
era uma espécie de realismo científico que teimava em fazer crer que todas as
“taras” dos seres humanos são explicadas através da Educação, da sociedade em
que estão inseridos…Mas, sobretudo! através de traços hereditários!da Genética,
como hoje se diz! Ou seja: se um indivíduo é alcoólico, pode provar-se,
experimentalmente, que os antepassados já o tinham sido…E assim por diante com
o jogo, o adultério, a opressão social…Até as doenças como a loucura, por exemplo,
seriam a manifestação de uma qualquer tara hereditária…
A última das fases literárias de Eça de
Queirós foi quase um acto de contrição face às ideias avassaladoras da segunda
fase. Os anos passam e têm o condão de nos acalmar os ânimos…E esta fase em que
desatou a escrever temas de índole social-nacionalista, depois de entradote nos
anos e ter casado com uma aristocrata, encontrou-o a deliciar-se com a vida do
campo, o cheiro das divinas florinhas e do estrume com que os sãos camponeses
adubavam os terrenos…enfim, com o outro lado do mundo que ainda não
apodrecera…É o período de “A correspondência de Fradique Mendes”, “ A ilustre
casa de Ramires”, “A cidade e as serras”, “Contos”, “Lendas de santos”…E aí
está o nosso Eça…A fantasia da vida sem tirar nem pôr! O que é a vida…
É bom não esquecer, apesar de tudo, que,
no frontispício de “ A relíquia”, está escrita a seguinte frase:
“SOB A NUDEZ FORTE DA VERDADE-O MANTO DIÁFANO DA FANTASIA”…No fundo… realismo versus romantismo!
E vou terminar, que “isto cresceu que se
fartou”…
Faço como Eça de Queirós, ponho o meu monóculo,
aconselho os estimados leitores a fazerem o mesmo e a pensar na sociedade em que,
hoje, séc.XXI, estamos inseridos…
A força da verdade da recessão
económica, o desemprego, a miséria galopante, a mania das grandezas dos
governantes deste pobre país, em último lugar na escala de vida da Europa dos
vinte e sete, só existe, como “paraíso” ou “oásis, na boca e nos bolsos dos
ricos, dos autoritários, dos cegos prepotentes…E parece que, quanto à “bancarrota”…basta
pensar na Educação, na Justiça, na Administração Interna, nas Obras Públicas…E
mais não digo que se me revolta o estômago!
Sim, que isto de” bancarrota ”, não
acontece só com dinheiros…Acontece, também com os “valores”…ou… a falta deles!!!
Maria Elisa Rodrigues Ribeiro - .
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