segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Artigo de Baptista Bastos, no "Jornal de negócios"







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Nem sempre os povos têm medo
16 Outubro 2015, 10:18 por Baptista Bastos | b.bastos@netcabo.pt



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A Direita está assustada com a perspectiva de perder lugar à mesa. E renova o medo com o papão comunista, que já não faz sentido, nem assusta as gerações mais novas, como se tem visto.

O dr. Cavaco vai indigitar o dr. Passos para formar Governo. Obedece, assim, às normas, e às características da sua formação. É um homem temeroso, amedrontado quando em agrupamentos ou multidões, pouco à vontade, reverente às hierarquias, modelado pela sua época e pela rigidez familiar. Transporta consigo vários verdetes pessoais e não consegue dissimulá-los. Os mais notórios são Mário Soares, Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes e José Sócrates. Possui da democracia um conceito amolgado e não é muito propenso à leitura. Coube-nos em sorte este homem como primeiro-ministro e como Presidente da República, dos piores da democracia portuguesa. O estilo rígido e o ar de espeque, tão do agrado dos portugueses veneradores e cerimoniosos, integraram-se num tempo, felizmente a acabar com celeridade.

Antes mesmo de consultar os partidos, como de sua obrigação constitucional, o dr. Cavaco apressou-se a dizer ao dr. Passos, seu estimado, que começasse a formar Governo. Ele sabia que a Esquerda era maioritária e que, desta vez, as coisas poderiam ser outras. E foram como é sabido. Algumas ruínas da Guerra Fria moveram-se logo quando António Costa começou a dialogar com os partidos à sua esquerda. O inexcedível Francisco Assis, mais gelado e furioso do que habitualmente, declarou ser "inútil" as diligências efectuadas; e Carlos Silva, secretário-geral da UGT, manifestou o interesse em que o PS alinhasse, isso sim, com a Direita. Através destes dois significativos exemplos pode inferir-se o albergue espanhol em que o PS se tornou, acentuadamente, nos últimos anos.

A coligação vai ser, pois, nomeada. Mas cairá no Parlamento como o têm afirmado os partidos de Esquerda. O acontecimento é histórico, e já era tempo de a sociedade portuguesa ser mais aberta. As coligações entre PS e PCP deram frutos na Câmara Municipal de Lisboa, com João Soares; e, se quisermos exemplos europeus, eles aí estão com a "ostpolitik" de Willy Brandt, e a coligação, em França, com o PS de Mitterrand e o Partido Comunista.

A subida do Bloco de Esquerda constituiu uma advertência de que uma geração mais nova está cansada desta democracia de alternância sem alternativa, e a revelação de Catarina Martins trouxe para o palco da política uma inovação apoiada numa cultura política e numa informação invulgares. O próprio PCP teve de se renovar, recuperando, como disse um jornal, a lição de Álvaro Cunhal, no que concerne à adaptação aos novos tempos.

A Direita está assustada com a perspectiva de perder lugar à mesa. E renova o medo com o papão comunista, que já não faz sentido, nem assusta as gerações mais novas, como se tem visto. Um Governo de Esquerda sucederá à inevitável queda da coligação? A verdade é que Catarina Martins declarou que a coligação tinha acabado naquele dia, e que os semblantes de Passos Coelho e de Paulo Portas pareciam os de funcionários de uma casa de caixões. Porém, as batalhas políticas são sempre difíceis e muitas vezes dolorosas.

Nada vai ser fácil a partir da altura em que a Esquerda assumir funções. Todavia, as coisas não podiam continuar nesta rotina letal. Assistimos a movimentos que se mobilizam por toda a Europa, de contestação e reparo a políticas desumanas que apenas consomem os pobres e engordam os ricos. O recente caso da Grécia e o gozo insano com que o capitalismo aplaudiu a queda do projecto do Syriza (caiu mesmo?) roça a obscenidade.

Aconteça o que acontecer, os factos ocorridos nas últimas semanas são de molde a acreditarmos que, por vezes, a História não é uma deusa tão cega como se faz crer. E nem sempre os povos estão adormecidos no letárgico sono do medo e da insegurança.

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