"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Artigo de Opinião, in "Público"
OPINIÃO
Argumentário PAF
ANTÓNIO CORREIA DE CAMPOS
15/06/2015 - 05:42
Reformar o Estado? Impossível, esgotou-se o tempo da anestesia, com a saída da Troika.
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TÓPICOS
O argumentário da coligação “Prá frente Portugal” (PAF) é simples: a) o governo anterior levou o País à beira da bancarrota, tendo que pedir a intervenção externa; b) o governo actual adoptou um patriótico e impopular programa que exigiu sacrifícios e recuperou a economia; c) a Troika terminou a sua intervenção e os eleitores não querem repetir o ciclo que os conduza a outra bancarrota.
Este argumentário tem um pequeno problema: é quase inteiramente falso. Em contexto de grave crise económica e financeira internacional e sem escamotear erros cometidos, não foi o governo anterior que provocou a entrada da Troika, foram as oposições coligadas que derrubaram o segundo governo Sócrates que era minoritário. Como bem afirmou Teixeira dos Santos, no momento da decisão não havia alternativa. Mas ela existiu sempre até à queda do governo, bastaria que fosse aprovada a orientação aceite por Berlim, Bruxelas e Frankfurt, conhecida como PEC 4. A intervenção externa que agora o Governo vê como má, por meras razões eleitorais, na altura era vista como redentora pelos partidos da direita. O programa da Troika, ainda negociado pelo governo anterior com a concordância do PSD, continha a austeridade em limites toleráveis e identificava reformas necessárias. A coligação, mal tomou conta do poder, foi para além da Troika, praticou a extorsão financeira às classes médias e fugiu a reformas de fundo. Preferiu a teoria da culpa e expiação a modernizar o Estado. O País foi dividido entre novos e velhos, pensionistas e activos, empregados e desempregados, funcionários e outros trabalhadores. Dividir para reinar. Os sacrifícios esvaíram a economia, afugentaram imigrantes, destruíram centenas de milhares de postos de trabalho, multiplicaram o desemprego, esmifraram funcionários e pensionistas, secaram o sistema científico, emagreceram apoios sociais, agravaram pobreza, criaram miséria envergonhada e desiludiram jovens, forçando-os a emigrar. A administração foi maltratada e empobrecida, o sistema de ensino e justiça invadidos por disfunções virais de que ainda se não libertaram, a saúde apertou cinto e garrote, levando a mais desigualdade, mais doença por tratar, menor eficiência e crises sazonais à menor tensão dos elementos. O investimento cessou, o consumo interno secou e um suposto milagre reduziu importações ao osso. O crescimento passou a negativo até 2014, o PIB regrediu. O défice aumentou e só recentemente irá atingir os objectivos fixados para há dois anos. Apesar da venda ao desbarato de quase toda a economia pública, a dívida disparou de 109 para 130% do PIB. Longe de ter recuperado, a economia perdeu força e só pela recusa constitucional de mais austeridade ela pode agora, lentamente, levantar a cabeça. O terceiro argumento é o único verídico: a Troika saiu, acusada de todos os males pelo governo, como bode expiatório e os Portugueses não querem repetir este circuito de erros e violências. Razões mais que suficientes para que os eleitores vejam a PAF como os flamengos viam o Duque de Alba: um papão agora sorridente, mas que vai obrigar o Povo a mais austeridade.
Uma compilação de anteriores afirmações de Passos Coelho, barítono categórico e pomposo, circula nas redes sociais: recusa de aumentar impostos, especialmente o IVA, seria criminoso cortar as pensões baixas, urgente reduzir os bónus dos gestores públicos, necessário cortar a despesa do Estado, pugnar por reformas estruturais. Privatizar activos para realizar dinheiro seria política criminosa; jamais reduziria ordenados abaixo dos mil euros; acabar com o 13º mês seria tremendo disparate. Choroso, lamentava os 300 mil desempregados sem subsídio. Algumas das suas frases ficaram célebres pela antítese da prática posterior: “aumentar impostos é sempre o caminho mais fácil”, “ não iremos diminuir mais a despesa, mas sim aumentar a base de incidência de impostos”, “não matemos o doente com a cura”, “não digamos hoje uma coisa, amanhã outra”, devemos “valorizar cada vez mais a palavra, para podermos acreditar nela.
Com a aproximação das eleições tudo muda. Os Portugueses já não são piegas mas empreendedores, os cientistas já não tratam de inutilidades, acrescentam conhecimento, a Segurança Social pública já não é para reformar, mas para consensualizar, a classe média já não vive acima das possibilidades, passou a ser o cimento da coesão social. Vale a pena um exercício de imaginação sobre quais vão ser as novas promessas, como devolver cortes a pensões e ordenados em quatro anos, devolver sobretaxa de IRS ainda este ano e extinguir suavemente a contribuição de solidariedade, mesmo nas pensões mais altas. Ameaças encobertas, como o corte permanente de 600 milhões em pensões, não verão mais a luz do dia, até Outubro.
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