Sobre HAMLET, de SHAKESPEARE:
"Análise de Hamlet, de William Shakespeare
Hamlet, tragédia escrita por William Shakespeare por volta de 1600, é amplamente considerada uma das peças mais profundas e complexas da literatura ocidental. A obra explora temas existenciais, morais e políticos por meio da figura do príncipe dinamarquês Hamlet, que enfrenta dilemas sobre a vingança, a loucura, a moralidade e a corrupção. Esta análise detalhará como esses temas são entrelaçados e a forma como Shakespeare constrói, por meio de uma linguagem rica e personagens complexos, um retrato atemporal da condição humana.
O Conflito Central: Vingança e a Moralidade
No coração de Hamlet está a demanda por vingança. Após a aparição do fantasma de seu pai, o rei Hamlet, o protagonista é convocado a vingar o regicídio cometido por seu tio Cláudio, que assassinou o rei e tomou seu lugar no trono, além de desposar a rainha Gertrudes. No entanto, a peça não segue o caminho típico de uma tragédia de vingança. Ao contrário de heróis vingativos clássicos, Hamlet hesita, reflete e questiona a moralidade de seu dever. A lentidão de sua ação não é mera procrastinação, mas o resultado de uma profunda crise existencial e ética.
A hesitação de Hamlet pode ser entendida à luz de um conflito entre a ética cristã, que condena o ato de vingança, e o código de honra do tempo, que exigia justiça pelos meios mais violentos. A famosa fala “ser ou não ser, eis a questão” (Ato III, Cena 1) encapsula esse dilema, pois não se refere apenas à vontade de Hamlet de continuar vivendo, mas também à sua indecisão sobre agir ou não. Para Hamlet, a vingança poderia perpetuar um ciclo de violência e corrupção, mas a inação também o aprisiona em um estado de paralisia moral.
A Corrupção e o Desmoronamento do Reino
O tema da corrupção está entrelaçado com o desejo de vingança de Hamlet. A Dinamarca de Shakespeare é apresentada como um “jardim estéril”, um reino que, após a morte do rei, está em declínio moral. A famosa frase de Hamlet, “algo está podre no estado da Dinamarca” (Ato I, Cena 4), reflete a visão de que a morte do rei e a ascensão de Cláudio são apenas sintomas de uma podridão mais profunda que permeia a corte e a sociedade.
Cláudio representa o núcleo dessa corrupção. Seu ato de regicídio não só viola as leis divinas e humanas, mas também desestabiliza a ordem natural, o que na visão do período renascentista representava uma ameaça à harmonia entre o poder e a moralidade. O casamento apressado com Gertrudes e o fato de ele governar com uma falsa aura de legitimidade evidenciam a degeneração moral no coração do poder. Essa corrupção é agravada pela incapacidade de Hamlet de purgar o mal sem também sucumbir à violência e à destruição.
A Loucura: Verdadeira ou Encenação?
A questão da loucura em Hamlet é um dos tópicos mais debatidos da crítica literária. Hamlet afirma em certo ponto que adotará uma “loucura fingida” para investigar os crimes de Cláudio sem levantar suspeitas (Ato I, Cena 5). Contudo, ao longo da peça, a linha entre a loucura simulada e a real se torna tênue. A morte de Ofélia é um dos momentos que sugerem que Hamlet, com sua obsessão pela morte e sua incapacidade de agir, pode estar de fato à beira do colapso psicológico.
A loucura é um tema que Shakespeare usa não apenas para questionar o estado mental de Hamlet, mas também para explorar as fronteiras do racional e do irracional na tomada de decisões morais. Ao longo da peça, personagens racionais falham em controlar o caos ao seu redor. Polônio, por exemplo, busca sempre explicações lógicas para o comportamento de Hamlet, mas acaba sendo vítima de sua própria intromissão e rigidez intelectual. Já Ofélia, ao ser pressionada entre as demandas do pai, do irmão e de Hamlet, perde sua sanidade e simboliza a destruição da inocência em um mundo corrupto.
A Condição Humana e a Questão do Ser
Além de ser uma tragédia sobre vingança e corrupção, Hamlet é profundamente filosófica. A obra está imbuída de reflexões sobre a natureza do ser, da morte e do propósito humano. A meditação de Hamlet sobre a caveira de Yorick (Ato V, Cena 1) é emblemática do tema da mortalidade. A caveira, que outrora pertenceu ao bobo da corte, serve como um lembrete da inevitabilidade da morte, independentemente de quem se seja em vida. Para Hamlet, a morte nivela todas as distinções sociais e políticas, o que dá à sua jornada uma dimensão existencialista avant la lettre.
A peça, nesse sentido, antecipa questões levantadas por pensadores modernos como Nietzsche e Camus. O próprio Hamlet, ao refletir sobre o vazio da existência e a futilidade da ação, parece antecipar o conceito de “absurdo” presente no pensamento de Camus. A luta de Hamlet é a de um homem que percebe que o mundo não faz sentido em termos racionais, mas que ainda assim é compelido a agir dentro dele, mesmo que suas ações sejam fundamentalmente inúteis no grande esquema das coisas.
A Tragédia da Inação
Se a vingança falha em proporcionar redenção, a inação de Hamlet também é condenada pela peça. No final, seu adiamento da ação leva não apenas à sua morte, mas também à de quase todos os personagens principais, incluindo Gertrudes, Cláudio e Laertes. O ciclo de violência que Hamlet tentou evitar ao longo de sua hesitação acaba se concretizando de forma mais brutal. A Dinamarca, corrompida e sem liderança, cai nas mãos de Fortimbrás, um invasor estrangeiro, encerrando a peça com um sentimento de derrota e fatalismo.
No entanto, a peça também sugere que, apesar de sua tragédia, Hamlet atinge uma certa compreensão no final. Sua aceitação da morte e da inevitabilidade dos eventos (“a prontidão é tudo”) marca um contraste com sua hesitação anterior. Essa resignação final pode ser vista como uma forma de reconciliação com o absurdo da existência, uma aceitação do destino que foge ao controle humano.
Conclusão
Hamlet é uma obra que transcende seu contexto histórico, oferecendo uma profunda reflexão sobre a natureza da ação, a moralidade, a corrupção e a existência humana. A complexidade psicológica de Hamlet, aliada aos dilemas éticos e filosóficos que ele enfrenta, faz da peça uma das mais duradouras e fascinantes tragédias da história. Shakespeare, por meio de uma linguagem poética rica e personagens profundamente humanos, explora questões universais que continuam a ressoar com o público contemporâneo. A obra não apenas desafia os limites do gênero da tragédia de vingança, mas também oferece uma visão penetrante das angústias e incertezas que definem a condição humana.
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