terça-feira, 28 de junho de 2016

Os britânicos perderam a cabeça, em todos os sentidos!


A retórica da campanha deu lugar aos insultos nas ruas


ANA FONSECA PEREIRA (Londres)

27/06/2016 - 21:22


Polícia britânica confirmou aumento de 57% nas queixas de incidentes racistas. Agressões verbais e propaganda xenófoba visaram imigrantes europeus e minorias étnicas
O preconceito e intolerância da campanha está a ser denunciado no Reino Unido AFP/JUSTIN TALLIS




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Domingo de manhã, Hammersmith, zona oeste de Londres. Na fachada da associação cultural que há 40 anos representa a comunidade polaca no Reino Unido, alguém escreveu “Go Home”. Dois dias antes, postais com a frase “Saída da UE – Acabaram-se os parasitas polacos” foram colocados em caixas de correio e automóveis junto de uma escola em Huntingdon, no Leste de Inglaterra. No Twitter, Agata Brzezniak, uma estudante de doutoramento polaca, contou que foi abordada no autocarro por uma mulher que lhe disse: “Se fosse a si eu estava assustada e preparava-me para pedir um visto de residência no meu país”.

O aumento da xenofobia num país que se orgulha de ser tolerante era uma das consequências mais temidas do referendo à União Europeia depois de a campanha ter sido dominada pelo tema da imigração, que muitos eleitores culpam pela descida dos salários, pelos hospitais e escolas sobrelotados, pelas mudanças demográficas nas suas comunidades. Um desagrado a que o partido populista UKIP deu voz na campanha e que agora se ouve sem dificuldade nas ruas e mesmo na televisão – numa reportagem transmitida pelo Chanel 4 News durante o fim-de-semana um eleitor de uma cidade no Norte de Inglaterra explicou que votou pela saída da UE apenas por “causa da imigração”, para “impedir os muçulmanos de virem para este país”.

O que ninguém esperava era a sucessão de incidentes racistas dos últimos dias, desencadeando uma onda de estupefacção e medo que as redes sociais amplificaram. O Twitter foi inundado por histórias de quem ouviu insultos ou viu outros serem insultados, como o consultor polaco Max Fras. No sábado, estava num supermercado em Gloucester com o filho quando um homem que esperava na fila começou a gritar: “Isto é Inglaterra, os estrangeiros têm 48 horas para se porem a andar. Quem é que é estrangeiro aqui?” Em Romford,subúrbio a leste de Londres que o PÚBLICO visitou no sábado, um homem foi fotografado vestindo uma t-shirt com a inscrição “Ganhámos! Agora mandem-nos embora”.

Numa tentativa de reacção, foi criada uma página no Facebook para reunir os relatos de incidentes racistas e, em menos de 24 horas, mais de cinco mil pessoas tinham aderido. “Quisemos criar um espaço para as pessoas que se sentiam inseguras”, disse à BBC Sarah Childs, que lançou a ideia juntamente com amigos de origem indiana e paquistanesa.

Porque não são apenas os cidadãos europeus, especialmente os polacos, que se viram visados nos últimos dias. Há também negros, árabes e asiáticos, nascidos e criados no país, a ouvirem os mesmos insultos.

O Conselho Muçulmano no Reino Unido revelou ao jornal The Times que desde sexta-feira reuniu informações de mais de cem casos que podem constituir “crimes de ódio”, incluindo um protesto violento junto a uma mesquita de Birmingham. Shazia Awan, empresária galesa que fez campanha pela permanência, foi aconselhada por um seguidor no Twitter a “fazer as malas e regressar a casa”. “Esta campanha foi vil e racista” e “arruinou o país para sempre”, lamentou.

Graffiti desprezível

A polícia britânica prometeu “tolerância zero” e pediu que ninguém esconda os insultos ou agressões – o Times noticiou que dois cidadãos polacos, pai e filho, foram espancados sábado à noite no Leste de Londres, mas não há certezas sobre as motivações do incidente. E já nesta segunda-feira, revelou que o número de queixas apresentadas nos últimos quatro dias através de um site especializado aumentou 57% em comparação com o mesmo período da semana anterior, num total de 85 incidentes. “Não é coincidência que isto tenha acontecido depois da votação sobre a UE”, disse ao jornal Guardianuma fonte da polícia.

“Como muitos polacos neste país temia que o resultado do referendo pudesse aumentar a intolerância, a discriminação e racismo. Mas não pensei que fosse tão agressivo nem tão rápido”, lamentou Brzezniak, que vive há oito anos no Reino Unido, numa entrevista ao Independent. A embaixada polaca em Londres mostrou-se também “chocada e profundamente preocupada” com incidentes contra os seus cidadãos, ao mesmo tempo que agradeceu o apoio recebido – nesta segunda-feira no centro cultural polaco em Hammersmith, a zona de maior concentração de polacos em todo o país, foram recebidas dezenas de ramos de flores com mensagens de solidariedade.

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