"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
segunda-feira, 27 de junho de 2016
Em www.publico.pt: Artigo do historiador Rui Tavares
OPINIÃO
A Inglaterra decidiu perder a guerra
RUI TAVARES
27/06/2016 - 06:11
Em 2015 celebrou a vitória de Waterloo contra o “bloqueio continental”. Em 2016 decidiu dar a Napoleão tudo o que ele queria e ainda atirar de bónus a Escócia.
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Não uma, não duas, mas pelo menos quatro vezes a Inglaterra lutou até ao fim contra a possibilidade de ser isolada do continente: em 1713, 1815, 1918 e 1945 conseguiu impedir esse destino que lhe queriam impor. Até que neste nosso século, com um mercado único europeu criado à sua medida, decidiu mandar a sua história borda fora. Ainda em 2015 celebrou a vitória de Waterloo contra o “bloqueio continental”. Em 2016 decidiu dar a Napoleão tudo o que ele queria e ainda atirar de bónus a Escócia.
Vale a pena lembrar que para todas essas guerras Portugal foi arrastado, recrutado, invadido, ocupado e tiranizado. Foi assim que a nossa frágil República se perdeu e que tivemos uma ditadura de 48 anos. E agora que a Inglaterra — acompanhada apenas de Gales — decidiu atirar-se para dentro de um poço sem consultar os seus mais velhos aliados não admira que há quem nos diga que a água lá no fundo deve estar bem fresquinha.
Melhor pensar um pouco antes de saltar. Os ingleses e galeses escolheram o tipo de soberania que está na moda entre políticos à cata de voto fácil: a soberania-como-propaganda. Em troca têm um primeiro-ministro demitido mas que não se vai embora, um ministro das Finanças que não fala ao país (nem na véspera da reabertura dos mercados), e um trio de dirigentes da campanha vencedora que não se dignam a aparecer em público enquanto os seus lugares-tenentes aproveitam para desmentir todas as promessas que fizeram: não vai haver dinheiro a mais para os hospitais, não vai haver imigração a menos e para haver acesso ao mercado único continuará a ser necessário obedecer às regras da UE.
Perante o vazio de poder que se instalou em Londres é em Edimburgo, na Escócia, que se tomam decisões, se explicam ideias claras, se admitem as dificuldades e se descreve o rumo a tomar. Nicola Sturgeon, a líder do governo escocês que quer continuar na UE, é um exemplo de como ser patriota, europeísta, progressista e responsável perante os seus concidadãos pode hoje em dia ser a mesma coisa: convidando os cidadãos europeus a permanecer na Escócia, declarando que o país iniciará contactos para se manter na União e que o parlamento escocês não tomará nenhuma decisão sobre o "Brexit" sem defender a maioria de escoceses que votaram pela UE. Concorde-se ou não, está no seu posto e não fugiu às responsabilidades, ao contrário dos supostos eurocéticos que nunca apresentaram um plano e continuam sem um. É a diferença entre a soberania propriamente dita e a soberania-como-propaganda.
Com a saída do Reino Unido da UE o “bloco liberal”, composto por este país, os escandinavos e os Países Baixos, perde a sua minoria de bloqueio na UE. Resta a maioria pró-austeridade que ainda existe no Conselho. Isso torna ainda mais importante o resultado das eleições de ontem em Espanha. Nas eleições do ano passado a esquerda espanhola teve nas mãos uma oportunidade de convergência e não a quis agarrar. Seria bom que, se os resultados o permitirem, houvesse agora sentido de responsabilidade para se formar um governo anti-austeridade. Pelos espanhóis e por todos nós.
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