domingo, 27 de março de 2016

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A doutrina da carnificina do Estado Islâmico

Uma nova geração de recrutas está a ser treinada no “califado” do Estado Islâmico (EI) doutrinadas com conceitos religiosos desde o nascimento e vistos pelos combatentes como melhores e mais puros do que eles próprios. Por Mark Townsend.
24 de Março, 2016 - 18:00h



Os meninos aprendem um rígido currículo do EI, do qual foram removidos o desenho, filosofia e estudos sociais, descritos como “metodologia do ateísmo”.


Pesquisadores do Quilliam, centro de peritos que estudam o fenómeno relacionado como extremismo em Londres, investigaram o modo como o EI recruta crianças e as treina para a jihad. O relatório, intitulado Crianças do Estado Islâmico, foi endossado pela ONU e compilado num estudo da propaganda do grupo que mostra menores e ligado a fontes de confiança no califado. Percebe-se que é um movimento terrorista ávido em atrair jovens para assim se perpetuar. Muitos são treinados como espiões, pregadores, soldados, “executores” e bombas humanas.

Segundo os autores, “a organização dedica grande parte de seus esforços a doutrinar crianças através de um currículo educacional baseado no extremismo preparando-os, desta forma, para serem futuros terroristas. A geração atual de combatentes vê as crianças como guerreiros melhores e mais letais que eles próprios, pois, em vez de convertidas a ideologias radicais, elas foram doutrinadas nesses valores desde o nascimento ou desde uma idade muito precoce”.


Sem terem sido corrompidos pela vida nos padrões seculares, os menores são considerados mais puros do que os combatentes adultos

Sem terem sido corrompidos pela vida nos padrões seculares, os menores são considerados mais puros do que os combatentes adultos. “Estas crianças são salvas da corrupção”, declara o estudo, tornando-as mais fortes que os atuais mujaheddin pelo facto de terem uma compreensão superior do Islão desde a juventude e pelo currículo escolar, e são lutadores melhores e mais brutais, treinados na violência desde tenra idade.

Recrutamento forçado

Os recrutas estrangeiros representam um reforço potencialmente importante para o grupo de cerca de 80 mil militantes (50 mil na Síria e 30 mil no Iraque). Estima-se que 6 milhões de homens, mulheres e crianças vivam atualmente no autoproclamado Califado. “O objetivo é preparar uma nova geração, mais forte, de mujaheddin, condicionados e ensinados para ser um futuro recurso para o grupo”, acrescenta o relatório.

O enfoque nos jovens tem semelhanças, segundo o estudo, com o recrutamento forçado de crianças-soldados na Libéria nos anos 1990, quando Charles Taylor tomou o poder, em 1997, secundado por um exército rebelde repleto de crianças.

Os autores concluem que o EI também parece ter estudado o regime nazi, que criou a Juventude Hitleriana. A ONU recebeu relatos verossímeis, mas não verificados, sobre uma ala jovem do EI chamada Fityan al-Islam (Meninos do Islão). Os autores lembram ainda o precedente do regime baathista de Saddam Hussein no Iraque, que no fim dos anos 1970 fundou o movimento Futuwah (Vanguarda Jovem) com as principais unidades de crianças-soldados iraquianas conhecidas como Ashbal Saddam, ou Filhotes de Leão de Saddam, formadas por meninos de 10 a 15 anos.

Os pesquisadores do Quilliam descobriram que os menores são usados amplamente na propaganda do EI para dar a impressão de “construção de um Estado”. Entre 1 de agosto de 2015 e 9 de fevereiro passado, eles identificaram ao todo 254 eventos ou declarações que apresentam imagens de crianças.

O EI utiliza os jovens para tentar banalizar a brutalidade. O grupo incentiva-os a segurar cabeças decapitadas ou jogar futebol com elas. Nos últimos seis meses, a propaganda do Estado Islâmico mostrou 12 crianças assassinas. Um vídeo macabro recente exibe um menino britânico de 4 anos que aparentemente detona um carro-bomba e mata quatro supostos espiões presos no veículo.

O recrutamento de crianças com frequência envolve coerção, segundo o relatório. O rapto seria o método preferido. A missão de assistência da ONU para o Iraque estima que o EI sequestrou entre 800 e 900 crianças de 9 a 15 anos. De agosto de 2014 a junho de 2015, centenas de meninos, incluídos yazidis e turcomenos, foram arrancados à força das suas famílias em Nínive e enviados para centros de treino, onde crianças de apenas 8 anos aprendem o Alcorão, o uso de armas de fogo e táticas de combate.
Canais de média do Califado emitem declarações em que advertem as crianças para não se recusarem a obedecer às ordens do EI, porque se o fizerem serão açoitadas, torturadas ou violadas.

A organização também recorre ao medo para recrutar. Canais de média do Califado emitem declarações em que advertem as crianças para não se recusarem a obedecer às ordens do EI porque se o fizerem serão açoitadas, torturadas ou violadas.

Controle do sistema educacional

O grupo extremista tomou rapidamente o controle do sistema educacional na Síria e no Iraque, e a doutrinação começa nas escolas e intensifica-se nos campos de treino. Nestes, crianças entre 10 e 15 anos são instruídas na sharia, a lei islâmica, expostas à violência e treinadas em técnicas específicas para servir o Estado e assumir a jihad.

Os meninos aprendem um rígido currículo do EI, do qual foram removidos o desenho, filosofia e estudos sociais, descritos como “metodologia do ateísmo”. As crianças decoram versículos do Alcorão e frequentam treinos para a jihad, que inclui tiro, manuseio de armas e artes marciais. As meninas, chamadas de “pérolas do califado”, usam véus, são escondidas e obrigadas a ficar em casa a cuidar dos homens.

Os autores do relatório recomendam a criação de uma comissão para proteger as futuras gerações da violência radical e monitorizar e reintegrar as crianças que correm risco na União Europeia.

Segundo Roméo Dallaire, porta-voz da Iniciativa de Soldados-Crianças que coescreveu o relatório, a vida sob o Estado Islâmico é uma das mais graves situações para menores no planeta. “Espera-se que esse relatório ofereça uma perspectiva crítica sobre a sina desses jovens”, afirma. “Talvez suscite reflexões essenciais para os políticos, órgãos de proteção à infância, governos, organizações multilaterais e os envolvidos para encerrar o conflito no Iraque e na Síria.”



Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Originalmente publicado na edição 892 do site Carta Capital, com o título "A doutrina da carnificina".

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