"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
domingo, 25 de outubro de 2015
A situação em ANGOLA
ENTREVISTA
“É fundamental arranjar uma saída decente a José Eduardo dos Santos”
JOANA GORJÃO HENRIQUES (em Luanda)
25/10/2015 - 07:31
Rafael Marques defende que é urgente “criar um quadro de transição” para Angola, que demova o actual Governo pacificamente e prepare a realização de eleições livres e justas no futuro.Rafael Marques MIGUEL MANSO
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José Eduardo Agualusa
Luanda
Tem sido um dos mais ferozes críticos do regime de José Eduardo dos Santos (JES), um dos que mais tem apontado críticas aos 36 anos de governação do MPLA. Rafael Marques, o mais premiado jornalista angolano, activista dos direitos humanos, defende um governo de transição de modo a preparar pacificamente a sucessão de JES e a realização de eleições livres e justas. “É fundamental, num momento em que impopularidade do presidente nas conversas de rua em Luanda já se torna hábito, encontrar vias para arranjar-lhe uma saída decente. Quanto mais ele insistir nos seus métodos ultrapassados de usar o poder judicial como escudo da sua política de repressão e de má-fé política, mais ele se afundará no poço da sua incapacidade em compreender que chegou o momento de ser humilde e que chegou o tempo de passar o testemunho”.
Critica ferozmente o governo e JES. Que solução propõe para Angola?
Estamos numa fase que precisamos com urgência de criar um quadro de transição, a passagem de pastas deste governo para um governo inclusivo que possa traçar um caminho e definir o rumo da economia deste país de forma aberta. O dinheiro do petróleo desapareceu e não houve diversificação da economia. Andaram-nos a mentir este tempo todo a dizer que tinham investido na agricultura.
O mais importante é que, mais dia, menos dia, o presidente tem que sair. E temos que pensar num cenário pós dos Santos, em como vamos construir a estabilidade e criar um sistema de governo que permita efectivamente reforma das forças armadas angolanas, da economia, das empresas estatais.
É necessário que haja um plano de transição para que tanto os membros do MPLA, da oposição, da sociedade civil sintam alguma segurança, algum entendimento de que a transição não causará tremores outra vez na paz e na ideia de que não queremos mais guerras, confusões, instabilidade. Para que isso aconteça é importante que os 40 anos de independência signifiquem sobretudo a cedência do poder para serventia dos angolanos. O presidente deve ter a iniciativa já que começa a amarfanhar todos os angolanos que comecem a falar publicamente disso.
Está a sugerir que essa transição não seja feita através de eleições?
As eleições foram sequestradas como mecanismo de manutenção do poder, de legitimação do poder. Não resolvem o problema da proibição das manifestações, [direito] que está consagrado na Constituição. As eleições servem apenas, pela forma como são organizadas, para manipular a vontade popular a favor do MPLA: é isso que são as eleições em Angola. Como se permite que o MPLA possa organizar manifestações e a oposição não possa? Que a sociedade civil não possa? Então a democracia é só meter lá o voto, o povo não tem mais direitos? Não tem direito a habitação, a emprego, a nada? É isso que é a democracia?
Mas a questão não é arranjar meios para que as eleições sejam feitas de forma democrática?
Nós temos que conversar porque são muitos anos a excluir as pessoas de bem do processo político, quer ao nível do MPLA, quer ao nível da oposição. Então é necessário que haja um mecanismo de transição para permitir pessoas com conhecimentos, integridade, boa-fé, muitas das quais possam então vir a dar o seu contributo.
Qual é a legitimidade de substituir um grupo por outro sem ser pela via das eleições?
Qual é a legitimidade para se saquear o país? Onde está escrito na Constituição que os dirigentes têm o dever e o direito de saquear o país? Onde está na Constituição a legitimidade para o governo coarctar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos? As eleições não conferem legitimidade para isso, por isso temos que pensar o país de forma muito mais séria e não nos atermos apenas aquilo que é fundamental como mecanismo de legitimação do poder. Por isso é que em África, em grande parte das vezes, quando os ditadores se apanham com o poder utilizam sempre a desculpa das eleições porque a comunidade internacional reconhece apenas as eleições como único mecanismo de realização da democracia – e não é.
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