quinta-feira, 23 de outubro de 2014

DE PORTUGAL...


A noite em que a mesquita de Lisboa se encheu para debater o Estado Islâmico


SOFIA LORENA

22/10/2014 - 18:34


“Por que é que algumas pessoas são atraídas para um grupo destes”, foi a pergunta mais ouvida num debate que levou muita gente pela primeira vez à Mesquita Central.O jantar começou às 19h30 mas o debate continuava era já meia-noite ENRIC VIVES-RUBIO




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A comida acabou por chegar e o debate durou bem para lá da hora. Também começou depois do previsto: havia uns 130 inscritos para o jantar e apareceram mais de 200, foi preciso improvisar. Os jantares-tertúlia organizados pelo Clube de Filosofia Al-Mu'tamid (do instituto de estudos islâmicos com o mesmo nome da Universidade Lusófona) com a Comunidade Islâmica de Lisboa não são de agora, mas o tema do 14º era o Estado Islâmico e isso trouxe uma assistência recorde à Mesquita Central.

“Nunca vi tanta gente e normalmente são muito mais pessoas da comunidade”, dizia uma estudante de Árabe e Cultura Islâmica numa vinda à rua para fumar um cigarro. “Só espero que as pessoas falem abertamente.”

Assim foi, mesmo que nem toda a gente tenha conseguido falar – o debate devia ter terminado às 22h30 e continuava já era meia-noite. O painel formado pelo imã da Mesquita Central, David Mounir, pela jornalista Cândida Pinto e por José Manuel Anes, fundador do Observatório de Segurança e Criminalidade Organizada e Terrorismo, não teve como responder a todas as perguntas que vieram da assistência, na maioria pessoas com mais de 50 anos mas também famílias inteiras e grupos de jovens.

Alguns, como o médico Mussa Omar, vieram mais para defender as suas teorias do que para satisfazer dúvidas, argumentando que grupos como o que ataca na Síria e no Iraque e tem conseguido recrutar membros da Ásia à Europa não podem existir sem algum tipo de cumplicidade com os Estados Unidos.

Outros, como a enfermeira Cláudia, estreante trazida por Ana, amiga que já conhecia estes encontros, veio para saber mais sobre um tema que a “assusta”. “Por que é que algumas pessoas são atraídas para um grupo destes” era a sua maior dúvida, partilhada por muitos. “Aprendi coisas que não sabia, mas também fiquei com novas dúvidas”, dizia ao sair, ainda o debate continuava. Luísa, outra estreante, veio “porque há muita ignorância”. “Ligo a televisão e só oiço falar disto. Mas não percebo.” O septuagenário Daniel Santana diz ter confirmado “mais ou menos o que já pensava”, também saiu sem grandes certezas. “Dúvidas tenho, claro. Isto não é fácil, nem para mim nem para eles”, afirmou, a olhar para os membros do painel.

Os três oradores, num debate moderado por Paulo Mendes Pinto, professor de Ciência das Religiões da Lusófona, descreveram o que se sabe sobre estes fundamentalistas, admitindo que não há respostas para tudo por se tratar de um fenómeno novo, principalmente no que respeita aos instrumentos de propaganda usados e ao grau de crueldade que pratica.

O xeque Munir explicou que à luz da religião o líder do Estado Islâmico não tem direito a declarar, como fez, a constituição de um califado, e insistiu que as bases do islão são de paz, não de guerra. Ali, o quarto califa (chamado, como quase todos, “líder dos crentes”), lembrou Munir, já avisara: “Tenham cuidado com os falsos califas que virão e que vão usar alcunhas com o nome de cidades”. O líder do Estado Islâmico é Abu Baqr al- Bagdadi: Bagdadi de Bagdad e Abu Baqr para reforçar a legitimidade junto dos crentes – Abu Baqr foi o primeiro sucessor de Maomé.

Uma comunidade aberta
José Manuel Anes elogiou a abertura da comunidade islâmica portuguesa e defendeu que não há riscos de radicalização em Portugal: os portugueses e luso-descentes que se sabe terem ido para a Síria “foram recrutados no Reino Unido e em França”. Cândida Pinto notou a existência de uma “máquina de propaganda muito vocacionada para chocar o Ocidente”, usada por um grupo “tão bem sucedido que provocou a formação de uma coligação de 40 países” para o combater.

Anes falou do sentimento de injustiça que se tem acumulado nos países do Médio Oriente, o que “permite mobilizar uma juventude desiludida” e chegar, ao mesmo tempo, a “recém-convertidos, que querem mostrar que são mais muçulmanos do que os outros, na sua forma de ver o islão”, e às segundas e terceiras gerações nascidas na Europa, “gente meia perdida do ponto de vista da identidade que de repente vê uma hipótese de se sentir útil”.

Na assistência, Clareana Marques, uma jovem que já estudou no Egipto, contou como viu amigos serem radicalizados, desde “jovens ocidentais atraídas por uma visão romântica do islão, em busca de um sentimento de pertença e fartas da falta de sentido de comunidade na Europa”, a uma sudanesa liberal e moderada e que mudou completamente “graças a um imã radical de Londres”.

Carla, de 34 anos, convertida ao islão no Verão, que ainda não se considera “completamente muçulmana”, não gostou de ouvir o que Anes disse sobre os recém-convertidos, mas gostou de ver a sala cheia. Mesmo porque ainda é tratada “como a doida que decidiu que agora é árabe” por amigos e colegas, “que nem sabem que ser árabe e muçulmano não é a m
esma coisa”.

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