quarta-feira, 29 de outubro de 2014

No "DN"

ADRIANO MOREIRA
Os direitos das crianças


por ADRIANO MOREIRAHoje4 comentários




O Instituto de Apoio à Criança realizou, no auditório novo da Assembleia da República, nos dias 20 e 21 deste mês, uma conferência inscrita nas comemorações dos 25 Anos da Convenção dos Direitos das Crianças. Destaco o lançamento do livro da juíza-conselheira doutora Maria Clara Sottomayor, Temas de Direito das Crianças. A temática, e os interventores, são todos civicamente empenhados em que o que dizem os textos se traduza nos factos, que é a regra da autenticidade para qualquer governo, pelo menos integrado na cultura ocidental. Mas quando acontece que o Prémio Nobel da Paz, neste ano da graça de 2014, foi atribuído a uma criança, talvez o facto exija que a reivindicação da autenticidade comece pela ONU, que é a responsável pelo ideário dos direitos humanos consagrados na Declaração Universal, começando por exigir de todos os Estados que assinem os diplomas internacionais que se referem aos direitos das crianças. Sobretudo porque, crise alertada constantemente pelos meios de comunicação social, as situações de conflito armado estão a atingir, indiscriminadamente, homens, mulheres e crianças, todos, em regra, alheios aos interesses que movimentam os confrontos.

Não é, pois, uma situação que atinja apenas as crianças, mas são as crianças que encontraram em Malala Yousafzai a voz que o mundo não pode deixar de ouvir e que, portanto, chegará ao plenário da ONU. Destaco estas palavras: "Sinto-me honrada por ter sido escolhida como Prémio Nobel da Paz. Sinto-me honrada com este precioso prémio. E estou orgulhosa por ser a primeira paquistanesa e a primeira jovem a conseguir este prémio. É uma grande honra para mim."

Tem 17 anos e não hesitou em proclamar que fala "para todas as crianças sem voz". Como foi associada a um indiano, Kailash Satyarthi, não omitiu referir a liderança de culturas que não impedem a solidariedade. Todavia, tendo em vista a violência de que foi vítima, o que torna mais valiosas a coragem, a determinação e a autoridade com que levanta a sua voz, talvez sejam os responsáveis pela paz internacional os estimulados no sentido de limitarem a liberdade com que o complexo militar industrial, que mereceu a chamada de atenção de Eisenhower, alimentar aquilo que os técnicos vão já chamando a guerra dos povos. Os conflitos que alastram, e a que o projetado Estado Islâmico dá relevo, ameaçando os ocidentais e quaisquer outros que se lhe oponham, mostram que os avanços científicos e técnicos, que as forças armadas utilizam, em vez de assegurarem a paz, que a ONU se obrigou a servir, agravam a severidade e a indiferença dos resultados das intervenções, mesmo quando são feitos contra a violência injusta. É que a cada vez maior invisibilidade dos atingidos também diminuiu a inquietação dos combatentes com os prejuízos coletivos dos ataques, como está a verificar-se com as aeronaves não tripuladas.

Não são apenas combatentes que são atingidos, também civis, mulheres, crianças, velhos e novos ficam entre as vítimas inocentes da destruição científica e tecnicamente orientada. É visível pouparem vidas dos seus quem dispuser de meios, e também evita muitas das sequelas que afetam todos os combatentes que pisaram o terreno dos combates, "mas as crianças, Senhor!", não ficam imunes. Como não o estão de serem mobilizadas para as guerras dos povos que se multiplicam, sejam quais forem as suas diferenças étnicas, culturais e religiosas.

Um ponto final é urgente, sejam quais forem os interesses envolvidos neste desastre humano. Temos experiência suficiente de que as palavras solenes dos tratados são frequentemente ignoradas, que o espírito dos fundadores da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos está adormecido. Mas, como diria Torga, é necessário que alguém grite, para que a voz abale os adormecimentos dos responsáveis.

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