"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
ARTIGO-REFLEXÃO
ARTIGO-REFLEXÃO:
Canção do Mar…
Sentada numa rocha, em pleno areal da praia do mesmo nome, obrigo-me, por força da beleza desta majestade azul e branca, a “cantar”, por dentro, como quem chora e ri, ao mesmo tempo.
Que estranho fascínio exercem, sobre nós, as puras águas do oceano imenso! Misterioso desígnio de um Senhor que as colocou, ali, na nossa frente, alinhadas, nuas, prontas a alindar os dias da nossa vida…
Deve ser triste não ter mar, não o ver e não poder “cantá-lo”, na glória do nosso viver! Vem-me ao pensamento o lindíssimo poema de Garrett “Barca bela”: “Pescador da barca bela/onde vais pescar com ela/que é tão bela, ó pescador!”
A meu lado, em cima da rocha, tenho um pequeno rádio, o meu telefone e um livro que ando a ler: “Sputnik, Meu Amor”, de HARUKI MURAKAMI. O cheiro a maresia desperta-me, de vez em quando, como que a clamar pela minha atenção; ponho os óculos, levanto a cabeça e olho-o de frente, corajosamente, pois foi assim que os meus antepassados abriram as suas águas, na busca de outras “canelas e pimentas”…
Mas não me desligo da vida nos tempos…ou de mim própria! E, em “flash-back”, numa atitude retrospectiva, penso-me, lembro-me, apanho pedaços do meu passado em forma de espuma e nuvens, neste presente luminoso batido por águas salgadas e raios de sol cintilantes, quentes, radiosos e aconchegantes. Dou comigo a recordar tempos idos, procurando saber quando perdi a infância, a juventude e outras magias, ainda louras, frescas de magnitude…
Felizmente, num certo sentido e na medida em que os trambolhões da vida também ajudam na recuperação do caminho, passei por muitos “CABOS DE TORMENTAS”, a caminho da minha terra da “BOA ESPERANÇA”…
Neste momento, dou-me conta de que o Verão começa a zumbir…Aquela aragem fresca que desalinha os cabelos, começa a dar sinal de que o Mar quer calma, quer distância da multidão que dele se aproveita e dele beneficia…É a hora em que NEPTUNO faz apelo ao recolher dos seus súbditos…e as águas, lentamente, começam a retrair-se com a força da maré baixa. Só a Natureza conhece os seus segredos, que os cientistas procuram explicar de modo razoável! A verdade é que as águas começam a retirar-se, fugindo-quem sabe? Talvez para a linha do horizonte…
E volta-me à ideia uma outra poesia, esta do período barroco (século XVII) que diz isto:”Esse baixel nas ondas derrotado/Foi nas ondas Narciso presumido…”…
Tal baixel, nós próprios no ardor da juventude, grandioso Narciso vaidoso da sua beleza dos verdes anos, caminhamos inexoravelmente para a derrota, para o encarquilhar da “madeira” de que somos feitos, para se estatelar, em cacos, num qualquer canto do Mundo.
Meu Deus! Como eu quero continuar a ser vaidosa! A ser o baixel que não se deixa derrotar contra qualquer “rochedo”!
Oiço Dulce Pontes a cantar…”Fui bailar/no meu batel/ além, no mar cruel…”
Foge-me o Mar, entra-me a canção…E realizo, no momento, a interiorização de toda a excitação musical das duas entidades, da Dulce e do Mar! Sinto, em mim a criança que fui e que ainda “trago” comigo, apesar da Mulher que sou, pronta a abrir novas janelas ao Mundo e a acreditar nos valores que , entretanto, apreendi. Só que, ao deixar a praia, levo comigo o “PATHOS”, o sofrimento dos momentos não musicais, dos mundos de lutas e horrores que não se espelham (felizmente!) no Mar mas sim nos noticiários, nos “ecrãs” das televisões, nos filmes das tragédias da Vida!
Escondo-me, então, numa concha que trouxe da praia, há muito tempo…ainda quando a infância não tinha “ossos duros de roer” e eu corria feliz pelas areias das praias e pelas vielas da minha aldeia…
“FUI BAILAR/NO MEU BATEL/ ALÉM, NO MAR CRUEL/ E O MAR CANTANDO DIZ…!
Maria Elisa Rodrigues Ribeiro
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