domingo, 28 de setembro de 2014

No Jornal "Expresso"...


Revelações e alguns segredos sobre a independência de AngolaNo livro "Do Outro lado das Coisas - (In)Confidências Diplomáticas" o Embaixador Rosa Lã relata um curioso plano alegadamente gizado por Marcello Caetano para a independência de Angola. Adriano Moreira e Jaime Gama apresentam esta quinta-feira este livro de memórias.
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Manuela Goucha Soares |0:00 Quinta feira, 25 de setembro de 2014

João Rosa Lã recorda no mapa os seus postos como diplomata / José Carlos Carvalho
Capa do livro de memórias do Embaixador Rosa Lã / DR

Adriano Moreira, no prefácio deste livro de memórias diplomáticas, escreve que a "diplomacia é correntemente definida como a arte de conduzir negociações entre Estados" e diz que este relato de João Rosa Lã "é especialmente relevante pelo testemunho, que reforça o limitado conhecimento já vindo a público das hesitações" de Marcello Caetano na procura de uma solução para a guerra colonial. No final da década de 1970 do século XX, João Rosa Lã foi colocado como encarregado de negócios na Embaixada de Portugal em Caracas. Aí encontrou "um grupo importante de cidadãos portugueses que procurou refazer a sua vida na Venezuela, depois do 25 de Abril". Fenando Santos e Castro, último homem nomeado pelo Estado Novo para o cargo de Governador-Geral de Angola foi um desses portugueses com quem Rosa Lã se cruzou na capital venezuelana.

Nas suas memórias escreve que o reencontro com Santos e Castro foi "o facto mais relevante" de toda a sua permanência em Caracas, apesar de esta circunstância nada ter a ver com a atividade diplomática pura e dura. No entanto, a diplomacia é também a arte da escuta e foi esse engenho do saber ouvir que permitiu cimentar a amizade entre estes dois homens de gerações diferentes e relações supostamente diferentes com o Portugal democrático.

Nas conversas semanais que teve com Rosa Lã, Santos e Castro confidenciou-lhe alguns dos segredos que guardava com ele e começou a entrar cada vez mais em pormenores, quer sobre a sua governação em Angola, quer sobre as suas relações com Marcello Caetano. "Um certo dia, confessou-me que deixara de manter relações próximas com o antigo Presidente do Conselho, por o considerar o principal responsável pelo 25 de Abril". Perante o espanto do diplomata, contou-lhe a sua versão do que se passara em Angola nos primeiros dias do ano de 1974.

Caetano terá querido passar o poder a Savimbi


Santos e Castro foi chamado secretamente a Lisboa "pelo então Presidente do Conselho. Queria este ouvi-lo sobre algumas ideias que tinha com vista a tentar pôr fim a uma situação para a qual já não via qualquer saída airosa para o país. Porque a conversa era ultra-secreta, utilizou um carro privado, sem qualquer escolta ou segurança, onde só os dois seguiam (não percebi quem conduzia a viatura) e que passou toda a tarde a fazer, repetidamente, a "volta dos tristes", entre Lisboa, Cascais e Sintra", recorda Rosa Lã. "Nesse carro, sempre em movimento, Marcello Caetano traçou um cenário muito negro da situação do país e da política ultramarina (...) Felizmente, a situação em Angola era diferente, com o MPLA quase aniquilado militarmente, a UNITA controlada e as finanças sólidas devido ao aumento do preço do petróleo. Marcello confessou já não dispor de qualquer capacidade de manobra para alterar a situação nas províncias ultramarinas, sobretudo a dos portugueses que lá viviam. Havia, no entanto, que tentar salvar o que fosse possível".

Estando Santos e Castro muito ligado a Angola e sendo o seu Governador-Geral, deveria movimentar-se nos bastidores para assegurar a preparação de uma "declaração unilateral da independência do território. Seria criado um Estado soberano, multiracial e multicultural, com o concurso de todas as forças que aceitassem a declaração de independência. Santos e Castro ficaria interinamente à frente do novo País, com um governo presidido por uma personalidade negra, muito provavelmente Jonas Savimbi, se este aceitasse, mantendo-se todos os funcionários da administração da província que desejassem ficar. O mesmo aconteceria às tropas da metrópole destacadas no território. O governo português não aceitaria, pelo menos de imediato, nem reconheceria a Declaração de Independência e retiraria todas as suas forças do terreno, mas não retaliaria contra os militares que quisessem integrar o novo exército angolano".

O papel das memórias na construção da história diplomática


Ninguém melhor do que o Embaixador Francisco Seixas da Costa para dizer que "existe um notório défice de memórias diplomáticas no nosso país". É desta forma que este amante da escrita e fazedor de opinião refletida escreve no seu blogue que "raros são os profissionais da carreira que passaram para o papel o saldo das suas experiências e isso prejudica fortemente a construção da nossa história diplomática e a compreensão da evolução das relações externas de Portugal".

João Rosa Lã decidiu dar o seu contributo para essa vertente da história, passando a registo escrito a experiência de 42 anos de vida diplomática. Quando se jubilou no final de 2011 foi aprender algumas noções sobre a arte de produzir livros e durante mais de dois anos trabalhou todos os dias, escrevendo e revendo documentos que enchiam mais de 25 caixotes.

Ao longo de mais de 600 páginas, organizadas em 17 capítulos, o Embaixador Rosa Lã recorda acontecimentos que viveu e testemunhou em todas as etapas da sua carreira. Um deles é dedicado aos Serviços da Cifra e a detalhes que passavam pela necessidade de equipar esses serviços - tão propícios a cenários de filmes sobre espiões - com um gerador elétrico.

Rosa Lã foi assessor diplomático do primeiro-ministro Cavaco Silva. Teve o primeiro posto de embaixador na Guiné-Bissau, passando depois pela Holanda, Áustria, Madrid e Paris. Terminou a carreira em Rabat, facto que encara como "um final feliz" porque tinha sido ele a abrir a Embaixada de Portugal em Marrocos pouco depois do 25 de Abril de 1974.

"Do Outro Lado das Coisas - (In)Confidências Diplomáticas" é editado pela Gradiva e é apresentado esta quinta-feira, às 18h, na Sociedade de Geografia pelo Professor Adriano Moreira, autor do prefácio destas memórias, e o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama.



Ler mais: http://expresso.sapo.pt/revelacoes-e-alguns-segredos-sobre-a-independencia-de-angola=f890936#ixzz3Eb
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