domingo, 28 de setembro de 2014


Lisboa Sem-abrigo fazem biscates através dos Cacifos Solidários
A viverem pelas ruas da freguesia de Arroios, em Lisboa, alguns sem-abrigo, utilizadores dos Cacifos Solidários, estão a receber bilhetes com pedidos de "pequenos biscates para moradores e comerciantes", disse à Lusa o presidente da Associação Conversa Amiga (ACA).


PAÍS
Lusa

10:16 - 28 de Setembro de 2014 | Por Lusa


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Segundo Duarte Paiva, os 12 cacifos instalados em outubro do ano passado, em frente à igreja de Arroios, foram idealizados para os sem-abrigo guardarem os seus bens de forma digna e segura. "Não estava prevista esta dinâmica entre a comunidade", referiu.
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As pessoas com cacifo atribuído assumiram-no como "uma referência física, que utilizam também para contactar com a comunidade, o que é muito positivo", realçou.

O responsável sublinhou que os Cacifos Solidários "não servem para tirar pessoas da rua, mas abrem um caminho muito importante - aumenta a autoestima e sentem-se mais motivadas".

A dormir pelas ruas de Arroios há mais de onze anos, após ter recebido ordem de despejo por não conseguir pagar a renda, Carlos Caetano, de 57 anos, considera os cacifos "muito bem pensados".

"Antigamente andava com sacos e cobertores atrás, às vezes desapareciam e quando chovia ficava tudo molhado, agora guardo tudo no cacifo, até documentação importante e dinheiro, ao outro dia está tudo direitinho conforme deixei", contou.

Carlos Caetano já é conhecido por quase todos os moradores e comerciantes de Arroios, mas como não tem telemóvel utiliza o seu cacifo, o número 3, como caixa de correio para ser contactado.

"As pessoas quando me querem dar trabalho deixam um papelinho no meu cacifo com dia e hora. Têm aparecido alguns biscates: carregar móveis em mudanças, carregar sacos de batatas e cebolas a casa das pessoas, ajudar velhinhas com as compras. Depois dão-me uma gorjeta", disse.

Apesar de serem trabalhos esporádicos, aproveita para guardar o dinheiro. Nas mudanças chega a ganhar a "cinco euros à hora".

Jorge Toledo, de 50 anos, deixou a ilha Terceira, nos Açores, em setembro de 2009. Para trás ficaram a família, com duas filhas, e um emprego estável como eletricista na empresa Eletricidade dos Açores (EDA). Sentiu-se "chateado com a sociedade" e decidiu "vir fazer vida de sem-abrigo" em Arroios, explicou.

Atualmente a viver no largo da igreja, Jorge Toledo foi um dos primeiros a receber um cacifo, "uma mais-valia".

"Posso deixar tudo o que quero no cacifo e ninguém mexe", justificou.

Apesar de ser especialista em eletricidade, Jorge Toledo faz "de tudo um pouco" e, entre moradores e comerciantes, quase todos os dias lhe pedem ajuda para pequenos trabalhos: "É o passa a palavra, são trabalhos mais baratos e dá sempre mais jeito às pessoas".

Na pastelaria Niagara, Jorge "é quem tem arranjado tudo, desde eletricidade, canalização, fogões, frigoríficos", em troca recebe "alimentação e tabaco", segundo o proprietário, Paulo Almeida.

"Já somos amigos, ajudamo-nos um ao outro", reconheceu, afirmando que os cacifos melhoraram o aspeto das ruas e dão mais conforto aos sem-abrigo.

Para Duarte Paiva, presidente da ACA, a boa relação entre sem-abrigo, moradores e comerciantes deve-se à existência de "uma comunidade pequena, é mais fácil".

Em relação à expansão do projeto, está pendente na câmara um pedido de financiamento para mais 36 cacifos para a zona de Santa Apolónia, Oriente e nos balneários de Alcântara.

"Agora estamos a aguardar uma resposta por parte da Câmara de Lisboa, a ver se no próximo ano era possível avançarmos com este aumento", referiu.

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