"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
domingo, 29 de dezembro de 2013
Sobre Frei Bento Domingues
DE Frei Bento Domingues, in www.snpcultura.org:
"A Teologia de Frei Bento Domingues
Anselmo Borges
É para mim uma honra poder participar nesta homenagem a Frei Bento Domingues, meu amigo e mestre, que, ao longo da vida, foi deixando lições fundamentais: a liberdade cristã – «foi para a liberdade que Cristo nos libertou»; «onde está o espírito do Senhor, aí está a liberdade», escreveu São Paulo –, uma teologia que tem de ser encarnada, o combate pelos direitos humanos, a magnanimidade com os perseguidores, o despojamento em relação ao Poder, que conhece, mas ao qual nunca se colou, a alegria, aliada a uma ironia fina, uma generosidade sem limites. A minha dívida, a dívida da Igreja e dos portugueses para com Frei Bento Domingues é incomensurável.
O que aí fica é uma breve reflexão sobre a teologia de Frei Bento Domingues, e tem três momentos: o primeiro refere-se ao interesse pelo saber religioso no quadro dos interesses e impulsos humanos; o segundo debruça-se sobre a teologia da crónica, porque foi em crónicas que o pensamento de Frei Bento mais se exprimiu; o terceiro quer apresentar os eixos essenciais à volta dos quais gira sua a teologia. (…)
Com o eclipse de Deus, desaparece o sentido do mundo, que o homem «tenta em vão reencontrar me diante uma acumulação de racionalidade». O mundo hoje parece encontrar-se perante um facto decisivo e mesmo único: se, independentemente da sua resposta positiva ou negativa, o homem já não vir pura e simplesmente necessidade de colocar a questão de Deus, isso significa que, pela primeira vez na sua história, a humanidade sucumbe à imediatidade, a uma visão fragmentária do aqui e agora e «abdica da sua procura de sentido», escreveu o historiador Georges Minois. Infelizmente, pode ser o que realmente está a acontecer, como constatou já o marxista heterodoxo e ateu religioso Ernst Bloch, em diálogo com (…) Karl Rahner: «Está a concretizar-se o que Nietzsche profetizou para o século XX: Vamos ao encontro de uma época de terrível miséria. Com subprodução de transcendência.»
Frei Bento Domingues (…), se se tem mantido mais ligado à crónica, não é porque lhe faltasse talento para uma grande obra teológica sistemática. Motivam-no, no meu entender, outras razões. A principal – creio – é o receio de uma sistematicidade morta, um lógos que fizesse de Deus uma coisa – uma coisa que acabará por coisificar os seres humanos. Daí, a sua cautela. Há o perigo constante de os professores de teologia, na ânsia de cientificidade mediante o sistema fechado, transformarem Deus pura e simplesmente num cadáver. Foi esse cadáver que, nomeadamente, Nietzsche declarou mesmo cadáver. Aquele que fora uma criança piedosa e estudara teologia havia de proclamar publicamente em 1882, através de um louco, em A Gaia Ciência, a morte de Deus: «Deus morreu! Deus está morto! e fomos nós que o matámos!»
Que teologia é essa, a da crónica, senão teologia narrativa – talvez a única teologia autêntica –, embora no quadro dos princípios arquitectónicos enunciados? [Teologia do Reino, humana, crítica, ecumé nica, pacifista, aberta à salvação de todos e mística.] O tempo, na sua fragilidade e carácter efémero é habitado: o Verbo fez-se carne (fez-se tempo, na sua fragilidade). Mas o homem, que não foge ao tempo, transcende o tempo, e por isso espera. A última palavra sobre o mundo ainda não foi dita.
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