sábado, 2 de abril de 2016

Do romance de Júlio Diniz "As Pupilas do Senhor Reitor"- Capítulo 21






......................................JÚLIO DINIS.........


As Pupilas do Senhor Reitor


Capítulo 21


Cumprindo a promessa que tinha feito a Joana, foi o novo clínico fazer sua segunda visita.

O leitor deve estar lembrado de que o doente era o nosso já conhecido João da Esquina, ou, pelo menos, alguém da sua respeitável família.

Ao apresentar-se, em lugar de João Semana, Daniel foi recebido com uma visagem, pouco lisonjeira, do dono da casa, impressionado ainda talvez com as revolucionárias, e em nada tranqüilizadoras opiniões médicas, que conhecia no seu vizinho.

- Então como é isto? É o senhor que vem?... - dizia o homem, meio desconfiado, e como hesitando em entregar-se aos cuidados da medicina nova.

- É verdade; sou eu - respondeu Daniel. - O João Semana não podia vir hoje para estes sítios e, como me lembrou que talvez fosse de pressa a doença.

Um sorriso encrespou os lábios do tendeiro.

- A doença? - Ah!... - Então nós sempre temos doenças?! - perguntou o João da Esquina com certo ar de finura triunfante.

- Pois que dúvida? - disse Daniel, muito longe de imaginar o sentido oculto da interrogação. - Não mandou chamar um médico? É provável que não seja para o consultar sobre alguma demanda.

João da Esquina meneava a cabeça com ar de satisfação.

- Portanto, segue-se que temos doenças? Bem, bem.

- Mal, mal - emendou Daniel , sorrindo.

- Eu cá me entendo. Afinal há de vir para o bom caminho, e no mais também, se Deus quiser.

- No mais? - repetia Daniel, sem entender o anfiguri.

- No mais sim, no mais. Ora diga-me - continuou ele, tomando Daniel de parte e falando-lhe quase ao ouvido - parece-me que eu sou algum macaco?

O filho de José das Dornas olhou espantado para os eu interlocutor, e principiou a suspeitar que a moléstia, que exigia os cuidados do médico, era desarranjo intelectual.

- Macaco? O Senhor João da Esquina macaco?! Essa agora ! Como me queres que eu suponha tal absurdo?

- Absurdo!? - exclamou jubiloso o merceeiro. - É o que eu digo. Assim, assim é que eu gosto de os ver.

- Esquisita monomania! - comentava para si Daniel.

João da Esquina continuou no mesmo tom, meio irônico, meio confidencial:

- E acha que me ficaria muito bem, se me pusesse a andar por aí com as mãos pelo chão?

Daniel muito fora, naquele momento, das razões que motivavam estas perguntas, achava-as tão extravagantes, que sentia agravarem-se cada vez mais as apreensões, relativamente ao estado intelectual do tendeiro.

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