sexta-feira, 24 de outubro de 2014

De António José Teixeira, in SIC notícias













ANTÓNIO JOSÉ TEIXEIRA
21:46 23.10.2014

Peço desculpa, cheira mal!

Volto à educação, ou falta dela, num tempo de profunda descrença na política. O ano lectivo teima em não começar para muitos alunos e professores. Já ultrapassa todas as margens de tolerância ao erro. O "experimentalismo", segundo Crato, continua à solta.



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Professores colocados e descolocados, professores colocados simultaneamente em dezenas e dezenas de escolas, directores de escola ao telefone a tentar convencer professores, a perturbação é muita e já lá vai uma boa parte do primeiro período escolar. Não há compensações que valham a tanto disparate e irresponsabilidade.

Sei que estas palavras parecem gastas de tão repetidas. Mas nem por isso são suficientes para inibir discursos desorientados, despudorados, descolados da realidade. Já tínhamos percebido que o ministro da Educação tinha colocado o seu lugar à disposição do primeiro-ministro. Passos Coelho confirmou-o. E quando poderia ter aproveitado a oportunidade para demonstrar preocupação e para responsabilizar o ministro pela rápida e cabal resolução do problema, deixou-se embalar por elogios despropositados a Nuno Crato, o responsável político por tão desastrado ano lectivo.

Como Crato "não lavou as mãos", isso significa – para o chefe do Governo – que acertou quando o escolheu para ministro da Educação. Há uma ligeireza quando se abordam problemas tão sensíveis e importantes. Alguém de bom senso vê algum motivo para elogiar Crato? Alguém consegue tolerar que se reduza esta trapalhada a um percalço irrelevante? O respeito por pais, alunos e professores aconselharia a mais respeito e contenção. A desvalorização do caso, como se fosse um problema menor, o facto de ainda não estar resolvido, deveriam inibir estranhas satisfações. Mas não. Pedro Passos Coelho calcorreia o país distribuindo simpatia, alheio à descrença crescente nos responsáveis políticos que, além de ineficazes, são também incapazes de lidar com a realidade.

Quando a política se reduz a exercícios de comunicação em que o rigor da substância pouco importa, a decadência é certa. Há uma cegueira e uma surdez, uma ilusão de que a habilidade política comporta todo o tipo de dissimulações, que o desaire de hoje se esquece amanhã. Nada é aquilo que parece. Os números são grandezas variáveis, consoante o nosso interesse. Orçamentam-se objectivos que se sabe, à partida, que não vão ser conseguidos. Reduz-se aqui para aumentar ali, mas afinal já não se aumenta porque cai mal no horizonte eleitoral. ‘Cumprem-se’ metas alterando os seus valores... A irracionalidade não pára de crescer, o que a vai tornando insuportável.

Todos os dias se acrescenta mais um motivo de desconfiança. Os políticos tendem a ser vistos como exemplos a não seguir, quando seria pressuposto serem os nossos melhores, aqueles que nós escolhemos. Quando as derivas populistas ganham adeptos, seria aconselhável inverter caminhos de descrédito, introduzir racionalidade e responsabilidade no sistema político, demonstrar eficiência e proteger a democracia. O que temos vindo a constatar nos últimos tempos vai ao arrepio de toda a higiene política.

Vale a pena ler uma investigação de Miguel Carvalho na revista Visão desta semana. A descrição da teia de relações de uma empresa do filho do Presidente de Angola, que liga dois governos, várias famílias e vários negócios, é reveladora. A teia não é visível a olho nu. É intricada, tem muitos nós, zonas de pouca visibilidade, mas muitos interesses em jogo. Curiosa é a desfaçatez como se juntam numa mesma sociedade de capital de risco o chefe de gabinete do nosso secretário de Estado das Finanças e os filhos do ministro Rui Machete e do Presidente José Eduardo dos Santos. Tudo decerto legal, tudo fraternal. E, no entanto, tudo tão obscuro. O grande problema das democracias passa por este contágio imparável. O sistema político está a ser neutralizado por um campo denso de facilitadores informais, nebulosas de interesses não sindicáveis, hábeis na captura dos favores do Estado, nos desfalques e na fuga a responsabilidades. Os casos do BES e da PT, como já tinha sido o do BPN, são flagrantes e deixam uma factura pesada. Não há fiscalizadores, auditores, reguladores ou justiça que valham.

Não tenho visões conspirativas, mas torna-se cada vez mais difícil confiar. Sou um céptico por natureza pessoal e profissional. Mas temo que para muitos concidadãos o cepticismo não baste. A higiene política anda demasiado desleixada e a justiça não anda melhor, independentemente do Citius. As redes informáticas andam frágeis, as redes políticas cativas, frouxas, promíscuas... Há muito que não era tão imprescindível redobrar a atenção e defender a democracia.






António José Teixeira, SIC Notícias

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